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As fitas cassete estão de volta

publicado: 13/08/2019 11h11, última modificação: 13/08/2019 11h11
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- Foto: - Divulgação

tags: fitas cassete , k7 , fitas , andré cananéa , mídia física

Leio na britânica NME - uma das mais prestigiadas publicações de música do mundo - que a venda de fitas cassete explodiu em 2019. Citando como fonte a Official Charts Company, que acompanha os números do mercado de música, o texto crava que até julho deste ano, foram comercializadas algo em torno de 37 mil cassetes somente no Reino Unido. É um número expressivo e mostra que o mercado está em expansão, afinal foi preciso todo o ano de 2018 para que 50 mil fitas fossem comercializadas e, ao que parece, 2019 vai superar essa marca.

O relatório da Official Charts aponta que ‘When We All Fall Asleep Where Do We Go?’, da jovem cantora Billie Eilish, de 17 anos, bateu a marca de quatro mil fitas vendidas entre seu lançamento, em março, e julho passado. Em quatro meses, quatro mil fitas foram vendidas - a um preço médio de 30 dólares, ou 120 reais, fora impostos - de uma artista que nasceu na era do streaming e cujo público sequer existia quando as pequenas fitas de plástico ganharam popularidade, nos anos 1980. 

Afinal, quem ainda paga uma boa grana para ouvir uma música que está disponível nas plataformas de streaming, muitas vezes gratuita? Fetiche? Vontade de ser diferente? Colecionadores compulsivos? A Amazon EUA me disse, ontem, que a fita laranja que traz o álbum de estreia de Billie Eilish custa mais que a versão em CD (12 dólares) e vinil (20 dólares) e, vamos combinar, a experiência sonora que ela propicia é aquém dessas outras mídias.

Criada nos anos 1960, o cassete se tornou uma alternativa barata numa época em que só havia três maneiras de se consumir música: ou pelo LP, ou pelo rádio, ou ao vivo. O disco de vinil, ou você comprava, ou ouvia na casa de um amigo, ou pedia emprestado. Com o disco do vizinho em mãos, era possível gravá-lo em uma fita cassete e fabricantes como Gradiente e Sony fizeram fortuna vendendo aparelhos interligados, os chamados três-em-um em que era possível gravar uma playlist a partir da audição do rádio ou do LP.

Portanto, nesse ambiente analógico e restrito, a fita cassete era uma mão na roda para quem gostava muito de música, mas não tinha dinheiro para investir em uma discoteca. Hoje, é fetichismo, afinal se tornou cool consertar um velho walkman ou descolar um toca-fitas velho para colocar no carro. E a indústria audiovisual tem sua culpa nisso.

As séries mais consumidas pela garotada - como ‘13 Reasons Why’ e ‘Sex Education’, ambas do Netflix -, além de dezenas de filmes, como ‘Guardiões da Galáxia’, têm mostrado que os personagens mais destacados ouvem música em fitas cassete, ou têm uma bela coleção de LPs. E isso, claro, estimula e aquece o mercado, não a ponto salvar a indústria da mídia física, claro, mas cria uma reserva que movimenta colecionadores, aficionados e fãs nas redes sociais e em sites como o eBay e Mercado Livre.

Artistas brasileiros, sobretudo de rock, têm lançado seus álbuns também em fita cassete. Pitty, Nando Reis e Planet Hemp estão nesta lista. Semana passada, a Polysom - encarregada de reeditar inúmeros álbuns em novos vinis - anunciou o lançamento, em fita cassete, do seminal ‘Da Lama ao Caos’, disco de estreia do grupo Chico Science & Nação Zumbi. Com áudio remasterizado, o álbum vem acomodado em uma fita completamente amarela.

Especialistas acreditam que numa época em que tudo se, digamos, “desmaterializa’, surge a necessidade de algo físico para se apegar. O executivo de uma companhia francesa que passou a produzir novos cassetes em novembro passado, declarou que muita gente que ouve música nas plataformas digitais, costuma trocar de faixa com muita facilidade, ao passo que a audição numa fita (e isso vale também para o LP) meio que obriga o ouvinte a ouvir seu conteúdo por inteiro. É uma tese válida. 

Por outro lado - e isso é algo que as novas gerações pouco conhecem - é que quem paga por uma mídia física estabelece uma relação umbilical com o produto. Sou de um tempo em que se dizia: “Ouvi tal disco até furar!”. Em um ambiente de pouca concorrência, com discografias modestas, por maiores que fossem, era fácil dedicar bastante tempo a audição contínua desses discos. Além da experiência de manusear o objeto, seja LP, CD ou fita, em seu respectivo player. Um prazer para poucos felizardos.

*publicado originalmente na edição impressa de 13 de agosto de 2019