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Bastidores impulsionam série do centenário da Warner

publicado: 20/06/2023 10h25, última modificação: 20/06/2023 10h25
Foto dos irmãos Warner - CRÉDITO Warner Bros-Max.png

Primeiro episódio é dedicado à fundação do estúdio por parte dos irmãos Warner - Foto: Warner Bros. Max/Divulgação

por André Cananéa*

Nos primeiros minutos de 100 Anos da Warner Bros., David Zaslav, atual presidente e CEO da hoje Warner Bros. Discovery, mostra um objeto de cena do clássico O Falcão Maltês (1941). É a estátua de um falcão, que, ao final do filme, alguém pergunta do que se trata. “É disso que os sonhos são feitos”, responde Samuel Spade, o clássico detetive interpretado por Humphrey Bogart.

O executivo utiliza a fala do filme para ilustrar a trajetória da Warner Bros., estúdio de cinema que se tornou um dos mais poderosos conglomerados de entretenimento do mundo. Os 100 anos da Warner são contados nesse documentário de quatro horas, dividido em quatro partes, disponível na plataforma de streaming HBO Max.

Diferente do longa-metragem You Must Remember This: A História da Warner Bros. (2008), narrando os 85 anos do estúdio, mas focado nos grandes filmes, a minissérie documental olha essa história sob outro prisma, a dos negócios. E isso faz de 100 Anos da Warner Bros. um programa imperdível, afinal ao contar a história do estúdio, a produção narra a evolução do cinema, enquanto arte, tecnologia e business.

A narrativa é didática e obedece a ordem cronológica. Assuntos como contratos com estrelas (espinhoso para o estúdio na primeira metade do século 20), aproximação com diretores, abordagens de filmes, apostas arriscadas e ramificações para outros ramos (música, videogame, televisão etc.) e as sucessivas fusões com outras empresas (como a Time e a barca furada que foi o negócio feito com a AOL) fazem parte do roteiro.

O primeiro episódio é completamente dedicado à fundação do estúdio por parte dos irmãos Warner – Harry, Albert, Sam e Jack –, judeus que haviam emigrado da Polônia para a América do Norte no início do século 20. Ele narra como os poloneses se inseriram no emergente mercado de cinema, ainda no raiar da produção de filmes. Mostra como o estúdio fez fama e fortuna ao investir na tecnologia que levou a transição do cinema mudo para o falado. O responsável por isso foi O Cantor de Jazz (1927), filme que custou 500 mil dólares e arrecadou três milhões de dólares (um dinheirão na época).

O Cantor de Jazz é um marco da história do cinema, mas até hoje suscita polêmica, afinal o ator Al Jolson se valeu da “blackface” (quando um artista branco utiliza maquiagem preta para viver um personagem negro) para fazer o filme. O documentário da Warner não foge ao tema e artistas negros e historiadores comentam o fato.

100 Anos da Warner Bros. procura cobrir bem os bastidores da empresa, incluindo o triste fim da sociedade entre os irmãos, quando Jack passou a perna nos mais velhos, na época em que estes resolveram vender o estúdio. O golpe desferido pelo caçula foi tão forte que provocou a morte de Harry, que ao ler, na imprensa, a traição, teve um infarto fulminante.
O episódio seguinte já mostra a Warner no contexto da Nova Hollywood, como ficou conhecida a ascensão de produções mais sérias e comprometidas socialmente. Uma época marcada por filmes de diretores como Francis Ford Coppola, Arthur Penn, Brian de Palma, Martin Scorsese e tantos outros.

Os turbulentos anos 1960 e 1970 acabaram por moldar o mundo e também tiveram um impacto significativo na história da companhia, de acordo com o documentário. Com a mudança na chefia, entraram três figuras que estabeleceram novos conceitos para o estúdio, abraçaram um cinema mais autoral e socialmente engajado, e expandiram a empresa de cinema para outros ramos, com divisões de música e videogame (o prejuízo causado pela Atari merece filme próprio).

Esses três personagens, ao que parece, são venerados até hoje por diretores, produtores e estrelas de cinema. São eles: Steve Ross, Bob Daly e Terry Semel, que além de liberdade artística, souberam construir uma frutífera relação com cineastas que pensavam fora da caixa, gente como Stanley Kubrick, Scorsese, o queridinho da casa, Clint Eastwood e, mais recentemente, Christopher Nolan, diretores que produziram alguns dos filmes mais memoráveis da história do cinema a partir dos anos 1970.

O penúltimo episódio mostra o comportamento do estúdio nos anos 1980 e 1990 e o último pincela a história dos últimos 20 anos, incluindo o fenômeno comercial Harry Potter e o foco em filmes de super-herói. Nessa fase, aborda também o lucrativo desenvolvimento das séries de TV (Friends, Plantão Médico, Big Bang: A Teoria etc.) e até de reality shows.

De maneira geral, 100 Anos da Warner Bros. detalha como o estúdio abraçou a diversidade racial, foi audacioso, batalhou por filmes inclusivos e que tocavam em feridas sérias, vetadas por outros estúdios, mas, sobretudo, imprimiu um legado importantíssimo com grandes filmes.

*Artigo publicado originalmente na edição impressa de 20 de junho de 2023.