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Casas mal-assombradas

publicado: 05/04/2022 08h00, última modificação: 04/04/2022 10h33
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por André Cananéa*

Através dos grupos de colecionadores de filmes em DVD que participo, fico sabendo que está para sair no mercado local uma edição restaurada de um clássico que integra minha formação afetiva audiovisual de terror, A Casa da Noite Eterna. Lançada originalmente em 1973, a partir do roteiro do tarimbado Richard Matheson (referência nos anos 1960, mas que ficou marcado pelos enredos de EncurraladoEm Algum Lugar do Passado e dois, dos três filmes inspirados na obra Eu Sou a LendaA Última Esperança da Terra, com Charlton Heston, e o filme homônimo, com Will Smith), sei que a vi The Legend of Hell House (no original, em inglês) na segunda metade dos 1980, ou nas madrugadas da Globo, ou através de uma hoje saudosa locadora de VHS.

O anúncio me levou a revisitar parte da minha coleção doméstica sobre o tema, e acabei por rever dois títulos com a mesma pegada de casa mal-assombrada, ambos, de certa forma, contemporâneos: A Casa da Colina e A Casa Amaldiçoada, os dois lançados em 1999 numa virada de século que parecia ter redescoberto o gênero que fora tão popular 40, 50 anos anos.

A Casa da Colina é uma refilmagem de A Casa dos Maus Espíritos, lançada pelo diretor William Castle em 1959 e que se acabaria por se tornar um dos filmes mais emblemáticos da lenda do cinema de horror, Vincent Price. No enredo, um milionário resolve abrir sua misteriosa mansão para um grupo passar a noite e, quem “amanhecer vivo”, leva uma bolada em dinheiro.

A refilmagem do praticamente anônimo William Malone (que gerou uma continuação em 2007) ainda me agrada, agora com elenco encabeçado por Geoffrey Rush (no papel que foi de Price, numa clara homenagem ao mestre) e Famke Janssen, procurando seguir o espírito original de “o que precisamos fazer para sobreviver às armadilhas mortais desta casa”.

Envelheceu muito pior foi o filme que é muito lembrado por ter Catherine Zeta-Jones no elenco. A Casa Amaldiçoada surgiu como um projeto ambicioso, caro - Colina custou US$ 37 milhões (e rendeu U$ 42 milhões), enquanto Amaldiçoada ficou na casa dos US$ 80 milhões e faturou mais do que o dobro) - com um diretor frenético (Jan de Bont, que já havia feito Velocidade Máxima e Twister, dois tremendos filmes de ação) e estrelas de ponta (além de Zeta-Jones, tem Liam Neeson, Owen Wilson e Lili Taylor).

Também refilmagem de outro cult de horror, o magistral Desafio do Além, de 1963 - para mim, uma das grandes obras-primas do gênero, dirigida pelo mestre Robert Wise - o enredo parte de um experimento psicológico com três voluntários em uma casa dita muito assombrada, para descambar em um exagero show de efeitos visuais.

O filme todo é construído para que a extraordinária mansão onde se passa o enredo - cenografia erguida com suntuosidade Eugenio Zanetti, que três anos antes havia vencido um Oscar na categoria, por O Outro Lado da Nobreza - se torne um monstrengo gigantesco, e essa ansiedade leva a furos e anticlímax decepcionantes, deixando as boas ideias de lado para mostrar o que a produção poderia surpreender em termos de efeitos musculosos. Mas passados mais de 20 anos, os efeitos ficaram datados e a experiência de revê-lo, bastante frustrante.

Escrevo isso pensando em dois produtos recentíssimos do gênero que estrearam no mundo do streaming já garantindo um lugar confortável no corpus do tema. Me refiro aos seriados A Maldição da Residência Hill e A Maldição da Mansão Bly, ambos a cargo do diretor Mike Flanagan e disponíveis no Netflix. Eles mostram que o suspense de assombração, digamos assim, não é construído a partir da perspectiva da ação, mas do mistério, do oculto, do que é construído na imaginação, não no que é entregue de bandeja, como imaginou De Bont com suas mirabolantes cenas em “velocidade máxima”.

Mas frustrante ainda é saber que quem comandou a produção de A Casa Amaldiçoada foi a dupla Donna Roth e Susan Arnold, ambas filhas de duas lendas do antigo cinema de terror, Samuel Z. Arkoff (produtor de Terror em Amityville, tremendo filme de casa mal-assombrada) e Jack Arnold (diretor do clássico O Monstro da Lagoa Negra), respectivamente. No especial de meia-hora que acompanha o DVD que eu vi, por sinal, a filha de Arnold lembra a lição do pai, sumariamente ignorada aqui: "A coisa que mais assustadora é o que você não consegue ver… a imaginação produz as coisas mais horripilantes que se possa imaginar".

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 5 de abril de 2022.