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Cinema de calçada, uma nostalgia

publicado: 16/05/2023 11h00, última modificação: 16/05/2023 11h00
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Em 1996, reforma do Cine Municipal, localizado no Centro da capital paraibana - Foto: Olenildo Nascimento/Arquivo A União

por André Cananéa*

A coisa toda começou com um papo sobre filmes que assistimos em cinemas de calçada. Meu interlocutor era um cinéfilo em formação que não perde uma sessão na sala escura por nada neste mundo. Infelizmente, hoje, tanto João Pessoa, onde moro, quanto Patos possuem apenas cinemas de shopping (com a honrosa exceção do Cine Bangüê, no Espaço Cultural José Lins do Rego, na capital).

“Eu também já fui a cinema de rua aqui em Patos. Vi As Duas Torres e O Retorno do Rei”, escreveu meu interlocutor patoense, referindo-se a dois episódios da trilogia O Senhor dos Anéis, que ele ainda conseguiu assistir no Cine São Francisco, desativado há cerca de 15 anos.

Do meu lado, enumerei alguns clássicos que vi entre o Plaza (Robocop e uma dezena de filmes de Os Trapalhões) e o Municipal (E.T. - O Extraterrestre, Nascido para Matar, O Último Imperador, Batman e por aí vai). Mas eu não soube precisar quando essas duas salas fecharam. Recorri ao Google. Nada! Por sorte, temos uma memória infalível quando o assunto é cinema: Ivan Cineminha!

Liguei para ele. De pronto, Cineminha sacou seus precisos diários contendo informações sobre as duas salas. O Municipal, anotou, foi inaugurado em janeiro de 1964, com a exibição do drama Gente Muito Importante (The VIPs, no original), estrelado por Elizabeth Taylor e Richard Burton e lançado no ano anterior.

Dirigido por Anthony Asquith (foi o penúltimo filme dele, que veio a falecer em 1968), o longa-metragem que deu a Margaret Rutherford (a Miss Marple de Sherlock de Saias, também lançado em 1963) o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, narra a história de um grupo de passageiros que fica preso em um aeroporto de Londres, quando tentava partir para Nova York.

Tanto o Cinema Municipal, quanto o Plaza pertenciam ao empresário Luciano Wanderley (????-2003) que, reza a lenda, teria feito uma espécie de crowdfunding na época, convencendo o construtor italiano Aldo D´Ambrosio a receber, pela construção do majestoso prédio na esquina da avenida Visconde de Pelotas com a rua Barão do Abiaí, cotas de futuros ingressos.

Em meados dos anos 1990, já com os cinemas entrando nos emergentes shoppings da capital paraibana, o Municipal passou por uma reforma de readequação do espaço. Seu número de poltronas caiu de 900 para 400 lugares, de acordo com uma reportagem do Jornal A União, de 27 de setembro de 1996. Era a data da reabertura do cinema, após a reforma, que voltava à atividade com a exibição da comédia brasileira Tieta do Agreste.

Entretanto, o Municipal não duraria muito tempo. Em 20 de novembro de 2003, a luz do projetor seria apagada para sempre. Em cartaz, o filme que sepultaria o maior cinema de calçada que João Pessoa já teve: Freddy x Jason, longa de terror juvenil que reuniu, pela primeira e única vez, dois ícones do gênero, Freddy Krueger (da série de filmes A Hora do Pesadelo) e Jason Voorhees (da franquia Sexta-Feira 13).

Ivan Cineminha não tinha anotado em seus preciosos escritos a data de inauguração do Cine Plaza. “Não morava em João Pessoa na época”, justificou. Na verdade, ele sequer havia nascido naquele 11 de setembro de 1937 (Cineminha é de 11 de maio de 1945). A data, colei de um texto que o professor João Batista de Brito escreveu no Blog Carlos Romero.

Porém, o atento cinéfilo registrou dois marcos importantes na história daquele cinema (hoje, uma loja de sapatos): a inauguração do cinemascope, em 1954, com o filme O Manto Sagrado, de Henry Koster e estrelado por Richard Burton; e a reabertura do cinema, em 6 de julho de 1963, após uma reforma que deu uma importante modernizada na sala, que passou a contar com ar-condicionado, sistema de som estéreo de última geração e poltronas acolchoadas. E qual era o filme, Cineminha? “Era Quando Setembro Vier (1961), com Rock Hudson e Gina Lollobrigida”, responde em um fôlego só.

O Cine Plaza, ele recorda, chegou até meados dos anos 1990, mas já em fins dos anos 1980, não ostentava mais a glória hollywoodiana de outros tempos, tornando-se essencialmente um cinema para exibição de filmes pornográficos.

Ivan Cineminha anotou que o último filme não pornô a ser exibido por lá foi o suspense A Testemunha Muda, de Anthony Waller, estreando em 17 de agosto de 1996. O encerramento das atividades do cinema da av. Visconde de Pelotas se deu na melancólica noite de 31 de outubro daquele ano, quando o cinema exibiu No Verão de 72, filme erótico inexpressivo, lançado 14 anos antes, em 1982.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 16 de maio de 2023.