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Cinema: futuro de um passado esquecido

publicado: 04/01/2022 08h00, última modificação: 04/01/2022 09h45
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- Foto: Foto: Pexels

por André Cananéa*

Olá! Aqui estamos, depois de um recesso de fim de ano, voltando à nossa programação normal, para abordar filmes, música, arte, cultura e entretenimento. Difícil escolher um tema para abrir a primeira coluna do ano, afinal tudo está tão preso a 2021 ainda... Mas, depois de muito refletir, o cinema me pareceu a opção mais palpitante.

Sobretudo pela retomada recorde das salas de cinema, que precisa ser registrada. Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa estreou no dia 16 de dezembro e até o primeiro fim de semana deste ano, contabilizava várias conquistas, entre elas o de alcançar US$ 1 bilhão em 12 dias – o terceiro filme da história do cinema a alcançar a marca em tão pouco tempo (só perdeu para os dois filmes da saga Vingadores, da Marvel). E o que isso significa?

Li em sites especializados que os números pomposos do filme de super-herói surpreenderam a indústria por vários motivos. Um deles é que ainda estamos em pandemia – e nos EUA, a variante Ômicron tem levado a medidas de isolamento mais rígidas – e, mesmo assim, o público compareceu em massa às salas de todo o mundo para ver a nova aventura do Cabeça de Teia.

Além disso, a pandemia aproximou ainda mais o público dos serviços de streaming, colocando Netflix, Prime Vídeo, Disney+, GloboPlay (os líderes do mercado) etc. como a primeira opção para quem quer ver um filme, instalado confortavelmente no sofá de casa e eliminando todos os obstáculos para chegar ao cinema (ingressos caros, filas, risco de contaminação pelo coronavírus etc.).

A previsão é que o Brasil consuma mais de R$ 1 bilhão no streaming só em 2022 (lembrando que serviços de assinatura, como o Prime, da Amazon, agora contam com aluguel digital de filmes) e que os investimentos no setor deverão passar de R$ 100 milhões até o fim do ano. Ou seja, é cada vez mais comum as plataformas produzirem filmes exclusivos e os grandes estúdios – como a Warner Bros., que integra o catálogo do HBO Max – diminuírem o tempo de espera entre a estreia nos cinemas e no aplicativo (o novo Matrix, por exemplo, estreou simultâneo no app e as salas nos EUA e deverá estar disponível no HBO Max Brasil a partir do próximo dia 26).

Nessa lógica de mercado, analistas dão conta de que a tendência das salas é exibir os chamados blockbusters, as tais produções de entretenimento com muita ação, efeitos etc., ingredientes usados em larga escala em filmes de super-herói, por exemplo, relevando produções de arte, ou o chamado “cinema independente”, ao streaming mesmo. O que é ruim!

As salas de cinema sempre se constituíram um espaço de experiência coletiva, para qualquer tipo de filme. É um barato assistir Homem-Aranha em uma sala lotada (ou quase, devido às restrições sanitárias) com um bando de nerds vibrando a cada “fanservice”, como são chamadas as referências às histórias em quadrinhos clássicas do personagem, mas também é importante ver filmes sensíveis, como Roma, de Alfonso Cuarón (lançado originalmente pela Netflix, mas exibido nos cinemas), na tela grande, sala escura e sem as distrações do nosso lar.

Com tais produções mais intimistas resumidas à TV da sala (ou do quarto), perde o cinema, enquanto arte, e sua capacidade mágica de encantamento, privando toda uma nova geração a descobrir filmes magníficos, condicionando a juventude a ver o cinema como um lugar para tiros, pancada e bomba, e não o espaço de reflexão que obras feitas com direção requentada, roteiro sensível e atuações minimalistas provocam.

Como um cinéfilo em formação, temo muito pelo futuro do cinema. Há cine-arte em ebulição e ele não pode ficar de fora do cinema, ou se tornar entretenimento elitista, uma vez que filmes desse nicho tem ocupado apenas as dispendiosas salas VIP, deixando o espectador de dinheiro minguado privado da experiência de assistir a um filme consistente em uma boa tela.

Também fico triste quando leio que as produções têm escolhido atores baseados no número de seguidores nas redes sociais. Isso também é muito ruim – e tem gerado protestos de vários artistas –, afinal, a métrica da popularidade não pode se sobrepor ao talento de artistas, sobretudo entre a nova geração.

Se seguidores fossem medida de sucesso, produções como Internet - O Filme (lançado em 2017, reúne vários youtubers “famosos”) e Carnaval, comédia da Netflix lançada no ano passado e estrelada pela paraibana Gkay, não teriam caído no esquecimento tão rápido.


*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 04 de janeiro de 2021.