O Tarantino de Era Uma Vez… Hollywood (Once Upon a Time ... in Hollywood, 2019), em cartaz desde a última quinta-feira nos cinemas de todo o Brasil, não é o Tarantino de Kill Bill ou Bastardos Inglórios. Talvez esteja mais para Jackie Brown. O novo filme do diretor norte-americano é mais contido, sem aqueles arroubos aloprados que marcaram os títulos mais icônicos de sua venerável filmografia, com muito sangue, tiro, porrada e bomba. Aqui não há palavrões como em Jackie Brown, nem mortes a quilo como em Bastardos. Mas é Tarantino em sua melhor forma.
Estamos em 1969. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um astro da TV em crise profissional, uma vez que tem dificuldades para emplacar um bom filme no cinema. Cliff Booth (Brad Pitt) é o dublê do astro, mas a carreira deste está ainda mais ladeira abaixo que a de Dalton, e ele acaba descolando uns trocados sendo uma espécie de faz-tudo do ator (algumas apostas dão como certo que o personagem é inspirado em Hal Needham, tão amigo de Burt Reynolds que chegaram a morar juntos nos anos 1960).
Entrecruzando a história de Dalton está a do casal que mora vizinho a sua casa na Cielo Drive, em Los Angeles (EUA): Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e Sharon Tate (Margot Robbie), que naquele ano seria barbaramente assassinada por discípulos de Charles Manson (Damon Herriman), uma turba bizarra que também é encaixada no enredo.
É desse fio-condutor que Tarantino destila toda sua paixão e conhecimento pelo cinema, com dezenas de referências e a aparições “pop-up” de ícones como Bruce Lee (Mike Moh) e Steve McQueen (Damian Lewis). Além disso, Era Uma Vez… é um filme que celebra o próprio universo do diretor, com autoreferências a Bastardos Inglórios, por exemplo, e a ponta de outros astros que já trabalharam com ele, como Kurt Russell, Zoë Bell e Bruce Dern, além de figuras como Al Pacino, que agora tem Tarantino na sua prestigiada coleção de diretores.
O roteiro é uma colcha de retalhos entre ficção e realidade. Assim como Tarantino criou uma versão absolutamente fantasiosa para a morte de Hitler em Bastardos, aqui ele toma inúmeras liberdades, mas salpica “fun facts” reais, quase todas ligadas à Sharon Tate, como o fato de Bruce Lee ter lhe dado umas aulas de kung-fu (que a atriz utilizou em Arma Secreta Contra Matt Helm, de 1968), a relação dela com o cabeleireiro Jay Sebring (Emile Hirsch) e a amizade com McQueen e Mama Cass (Rachel Redleaf), do grupo The Mamas & The Papas (ela aparece ao lado do astro de Bullitt durante uma festa).
Para boa parte da exigente crítica internacional, Quentin Tarantino, enfim, se levou a sério, e isso poderá lhe valer o almejado Oscar de Melhor Diretor e dar ao longa o prêmio máximo da noite, o de Melhor Filme, em 2020. Os filmes dele costumam ser bem indicados nas principais premiações do ramo. O próprio Tarantino já bateu na trave algumas vezes, como em 1995, ao ser indicado pela direção de Pulp Fiction (acabou levando o de roteiro original). Em 2010, voltou a ser indicado por Bastardos Inglórios e, em 2013, retornou ao páreo por Django Livre, desta vez só pelo roteiro.
Era Uma Vez… Hollywood reúne as maiores chances do diretor até aqui. Ele volta a mostrar virtuosidade com os diálogos, agora mais enxutos, mas não menos afiados. A direção e a fotografia são soberbas, e mais do que nunca, ele se mostra um grande diretor de atores, levantando a bola para DiCaprio e Pitt darem um show de interpretação - aliás, o elenco deste filme é fantástico! Isso sem falar no trabalho minucioso do figurino e na cenografia impecável do longa. É filme para, no mínimo, oito indicações!