O primeiro mês de 2023 mal acabou e o mundo do rock já sofreu duas grandes perdas: o guitarrista Jeff Beck (dia 10, em decorrência de meningite bacteriana) e o cantor e compositor David Crosby (dia 18, de causa não divulgada), aos 81 anos, e é sobre este segundo que eu gostaria de falar hoje.
David Crosby tem lugar no panteão dos gigantes do rock, embora não tenha alcançado a projeção de um Bob Dylan ou Paul McCartney: ficou circunspecto a um nicho de adoradores, que reconhecem no músico um dos pilares fundamentais do chamado folk-rock, corrente que ajudou a inaugurar quando integrou o grupo The Byrds.
Os The Byrds surgiram em 1964, na Califórnia (EUA), com David Crosby na formação. O grupo integrou uma cena que incluía The Mamas and the Papas (de ‘California dreams’, lembra?), The Beach Boys, Buffalo Springfield etc., que daria régua e compasso para a música pop a partir dali.
No ótimo documentário Echo in the Canyon (disponível no Star+), Jakob Dylan, filho de Bob Dylan com a atriz Sara Dylan (primeira esposa do bardo judeu romântico de Minnesota), a gente ouve do próprio Crosby os motivos que fizeram os Byrds um grupo tão influente, entre eles o fato da banda ter um ataque poderosíssimo entre cordas acústicas e elétricas - até ali, utilizar guitarra em música folk era um sacrilégio.
Na fase The Byrds, Crosby deixou impresso alguns clássicos do cancioneiro da época que ele próprio compôs (sozinho ou em parceria), como ‘I see you’ e ‘Mind garden’, além da controversa ‘Triad’, sobre um ménage à trois, escrita por ele e gravada pela banda ainda em 1967, mas só incluída no álbum de 1968, após Jefferson Airplane lançá-la – a faixa ainda aparece em outro disco lendário com participação de Crosby, 4 Way Street, de 1971, o terceiro do supergrupo Crosby, Stills & Nash (formado com Stephen Stills e Graham Nash) e o segundo do CSN com outra lenda da música, Neil Young.
Diziam que o temperamento de David Crosby não era dos melhores, tanto que ele acabou brigando com os colegas dos The Byrds e foi, em um eufemismo bastante gentil, convidado a se retirar do grupo antes mesmo do tal LP de 1968, The Notorious Byrd Brothers, ficar pronto – o que levou os demais integrantes a renderem uma nada sutil homenagem ao ex-colega na capa do disco, substituindo a foto do músico pela de um cavalo.
Crosby, Stills, Nash & Young – ou CSNY – foi outro marco da carreira de David Crosby. É desse grupo o famoso Déjà Vu (1970), discoteca básica e fundamental. É nesse disco que está, a meu ver, a grande canção já feita por Crosby: ‘Cut my hair’, uma das duas composições do músico no repertório (a outra é a faixa que dá nome ao disco).
A história registra que não foi fácil manter os quatro super egos juntos para gravar o disco. Formado no ano anterior, o quarteto fez poucos shows, o segundo deles no lendário festival Woodstock (1969), em uma substituição de última hora da cantora Joni Mitchell, autora da canção ‘Woodstock’, que inspirou o nome do evento (e foi incluída no disco de 1970 do CSNY).
Em paralelo a inúmeros projetos, David Crosby lançou oito discos completamente solo a partir de 1971, quando veio à público o belíssimo If I Could Only Remember My Name…, praticamente um disco coletivo com a quantidade de gente famosa que passou pelo estúdio (Joni Mitchell, integrantes do Grateful Dead, Jefferson Airplane, além de Neil Young e Graham Nash).
O canto do cisne de David Crosby saiu em 2021, For Free, cuja capa é um retrato do cantor e compositor pintado por outro ícone do folk-rock, Joan Baez. É um belo disco, mas o meu favorito ainda é Croz (2014), um álbum repleto de belas harmonias, muito piano, guitarras sutis e o clima “folk” dos anos 1970, cheio de participações, como a do guitarrista Mark Knopfler (Dire Straits) e do trompetista Wynton Marsalis. Experimente. Está disponível nas plataformas de música na internet.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 24 de janeiro de 2023.