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De volta ao ‘Buena Vista Social Club’

publicado: 26/07/2021 09h40, última modificação: 26/07/2021 09h40
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Lançado em 1997, originalmente em CD, Buena Vista Social Club se tornou um marco na chamada “world music”, um fenômeno que alcançou a marca de 700 mil cópias vendidas em todo o mundo naqueles tempos. Pode parecer pouco frente às vendagens de Spice, das Spice Girls, e Pop, do U2, que, lançados naquele mesmo ano, venderam, juntos, mais de cinco milhões de cópias, mas foi um enorme sucesso para um disco de velhos cantores e instrumentistas cubanos, cuja fama raramente atravessou as fronteiras da ilha e, havia muito, estavam esquecidos até mesmo dentro do país.

Além de disco extraordinário, a reunião de Ibrahim Ferrer, Compay Segundo, Omara Portuondo,  Rubén González, Eliades Ochoa e tantos outros rendeu, ainda, um grande filme, dirigido pelo premiado diretor Win Wenders e que, lançado dois anos depois, chegou a ser indicado ao Oscar, além de ter vencido outros tantos prêmios ao redor do mundo, catapultando a vendagem do disco que, até 2015, somaria cerca de 15 milhões de cópias vendidas.

O filme é belíssimo, mas a história por trás do disco de 1997 é fantástica. Contada an passant pelo grande responsável pelo projeto, o guitarrista Ry Cooder, os bastidores do disco e filme são esmiuçados em detalhes numa super edição em blu-ray que acaba de sair, no Brasil, pela Versátil Home Vídeo, que além de imagem restaurada do filme, traz cenas excluídas, depoimentos dos músicos e uma hora de papo só com Compay Segundo, além de memorabilias, como livreto, cartões e pôster (e, ao contrário da edição em DVD lançada anteriormente, esta traz as canções traduzidas).

Nele, Wim Wenders revela, em depoimento gravado em 2014, como chegou aos músicos cubanos, através de Cooder. Anos antes, o compositor da trilha sonora de Paris, Texas (dirigido por Wenders) havia sido convidado para ir à Cuba gravar o encontro de cantores africanos com músicos cubanos. Ry Cooder foi, mas os africanos, por algum motivo, não conseguiram chegar a Havana. Para não perder a viagem, o músico norte-americano saiu à procura de vocalistas para gravar e achou Ibrahim Ferrer, Compay Segundo e Omara Portuondo, entre outros músicos que andavam esquecidos na ilha.

Em comum, essa “velha guarda” cubana produzia um som incrível e sua comissão de frente, ou seja, os vocalistas, apesar da idade (Segundo já beirava os 90), conservavam bem a voz. O resultado está no premiado disco que ganha, em setembro, uma edição dupla (desta vez, além de CD, também em LP) para celebrar 25 anos do lançamento, com direito a gravações inéditas (‘La pluma’, ‘Saludo Compay’ e ‘Vicenta’ já estão disponíveis nas plataformas de streaming) e videoclipes com cenas nunca vistas pelo público em geral (assista um deles a seguir).

Quando Cooder mostrou as músicas que estava produzindo, ainda em um registro inacabado, Wenders também gamou no projeto e se ofereceu para ir a Havana gravar a turma. Mas não sabia que o convite viria de supetão. Ry Cooder voltara à Cuba em 1998 para gravar um disco solo de Ibrahim Ferrer, o que se mostrou uma oportunidade para o cineasta alemão encontrar o “dream team” do Buena Vista Social Club.

Como não deu tempo de arregimentar a equipe que costuma acompanhar o diretor em suas aclamadas produções, ele viajou apenas com a esposa, para dar suporte, e o diretor de fotografia. Com câmeras modestas para o padrão, fez o registro e levou o material para ser montado nos Estados Unidos. Mal tinha desembarcado quando soube que toda a trupe cubana faria um show único, de duas noites, em Amsterdã, e o diretor não pensou duas vezes: pegou um voo para Holanda, onde registrou o show que rendeu a abertura do filme.

De volta aos EUA e com muito mais material, foi informado que Ry Cooder havia conseguido o que viria ser o maior feito daqueles músicos cubanos: um show (com ingressos esgotados) no prestigiado Carnegie Hall, em Nova York (afinal os cubanos só haviam conseguido um visto para dois dias no país, um feito, afinal foram os primeiros músicos cubanos a conseguir permissão para fazer show no país em décadas), apresentação que Win Wenders conseguiu captar com muito mais qualidade técnica, afinal teve tempo de organizar sua equipe, a maior parte, norte-americana.

Uma pérola desse depoimento de cerca de 26 minutos é quando o cineasta conta que, passado a estreia do filme (exibido no Cine Bangüê, em João Pessoa, em 1999) e o furor que se seguiu à ele, voltou à Havana em 2001 para gravar um comercial de rum. Em sua nova estadia, resolveu fazer uma visita ao velho amigo Ibrahim Ferrer. Foi até a humilde casa dele e notou duas novidades: uma TV grande e moderna e uma geladeira novinha em folha, mesmo que muitas vezes, nem houvesse eletricidade para ligá-las. E só.

Os produtos não passaram despercebidos, afinal com o dinheiro que ganhou com os discos produzidos por Ry Cooder e os shows, Ferrer poderia ter comprado uma casa nova. Mas não. Segundo o diretor, o momento de maior alegria dessa visita foi quando o cantor puxou Wim Wenders para o meio da rua e apontou várias casas, afirmando: “Eu também comprei televisão e geladeira para eles também”. “E ele não falava isso para se gabar”, comenta o diretor. “Ele só estava feliz que todos em sua rua tinham uma geladeira. Para ele, a fama significava poder comprar coisas para os vizinhos”.

Em tempo: o Buena Vista Social Club se tornou um coletivo de músicos que, até onde eu sei, foi dissolvido em 2018. Antes, viajou o mundo com o repertório do disco, vindo ao Brasil com diversas formações, inclusive a João Pessoa, quando aportou para o show de réveillon que celebrou a chegada de 2010, no Busto de Tamandaré. Na formação, havia um dos músicos destacados no documentário: Barbarito Torres, que toca alaúde.

E quem quiser ir além do filme Buena Vista Social Club, em 2017 saiu (apenas em DVD) o documentário Buena Vista Social Club Adios, tido como a sequência oficial do filme de Wenders (após o lançamento do filme, pulularam documentários sobre música cubana), e que se constitui uma volta revisionista ao coletivo, duas décadas depois do lançamento do disco.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 27 de julho de 2021.