Um jornalista muito bem colocado no centro do poder político, com habilidade de conversar tanto com a situação, quanto com a oposição, desde o final do Governo Geisel (1974-1979) até o impeachment de Dilma e a ascensão de Temer ao poder. Foi por essa época que um edema agudo no pulmão pôs fim a vida e a carreira de Jorge Bastos Moreno (1954-2017).
Essa figura, muito conhecida não só dos políticos, como de colegas da imprensa e artistas, é tema do documentário O Repórter do Poder, disponível na GloboPlay. Com pouco mais de duas horas de duração, e dividido em quatro capítulos (todos já disponíveis), o documentário de Patrícia Guimarães e Letícia Muhana, produzido por Flora Gil (esposa e empresária de Gilberto Gil), explora as facetas do cuiabano que fez história na imprensa como um grande articulador político e social.
Nascido em Cuiabá, Moreno se mudou para Brasília em 1978, onde cursou o preparatório para o vestibular do curso de Comunicação da UnB, formando-se em jornalismo. Na Capital Federal, deu um “furo” (termo usado para notícia em primeira mão) ao publicar, no Jornal de Brasília, que o então chefe do SNI, João Batista Figueiredo, seria o próximo presidente do Brasil, ainda sob a égide da ditadura militar.
Na série, a jornalista Renata Lo Prete afirma que o furo do Figueiredo é emblemático da curiosidade permanente de Jorge Bastos Moreno. “É emblemático do quanto o Moreno estava se movimentando, literalmente, para obter aquela história; da consideração dele pela fonte… e não é porque é X, Y ou Z, é porque ele sabia que ele precisava cumprir os combinados, tratar de uma maneira respeitosa, não no sentido de deferência, mas ele precisava manter o acesso àquela fonte e, ao mesmo, tempo que a primazia da notícia e que notícia precisa circular”, opina.
Premiado e influente, Bastos Moreno, por exemplo, tinha acesso irrestrito a Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. “Ele tinha um acesso que só ele conseguia ter”, afirma a jornalista Mônica Bergamo, em outro momento da série. “Ele nunca sacrificava uma notícia pela crença que a fonte era amiga ou não. Ele poderia até respeitar pactos do que é off e o que não é, mas a notícia sempre vinha em primeiro lugar”, acrescenta Ali Kamel, que foi editor de Moreno em O Globo.
Não são apenas jornalistas conhecidos da telinha, do rádio ou de cargos importantes do jornalismo impresso brasileiro que falam sobre Jorge Bastos Moreira. Do ministro Gilmar Mendes ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, passando por Gilberto Gil e Heraldo Pereira, a longa relação de entrevistados justifica a importância de um documentário que eterniza Moreno, um repórter comprometido com a notícia e com bastante habilidade para consegui-la. O próprio Moreno está no filme, através de depoimentos que ele gravou para o Memória Globo, no início dos anos 2000.
O Repórter do Poder, ao mesmo tempo em que relembra os fatos políticos mais importantes da política brasileira dos últimos 40 anos – a redemocratização do país e a queda de Collor, na qual Moreno teve uma participação decisiva, ao denunciar que o Fiat Elba do ex-presidente foi comprado em um esquema criminoso comandado por PC Farias –, dá uma aula de como se faz jornalismo. E fazer jornalismo sério e com qualidade nunca foi tão importante para a sociedade quanto hoje, tempos em que fake news e ChatGPT desvirtuam a notícia e espalham informações falsas.
A partir da trajetória de Jorge Bastos Moreno, a série também aborda racismo, os amores (em sua maioria, platônicos) do repórter e, claro, as lendárias festas que ele dava, inicialmente em seu pequeno apartamento em Brasília, depois numa casa na Capital Federal e, por fim, no Rio de Janeiro, para onde se mudou por volta de 2007, onde era capaz de reunir do balconista que lhe atendeu em uma loja até artistas do naipe de Gil. “Ele tinha uma inteligência emocional absurda e um carisma que muito pouca gente tem”, resume Mônica Bergamo.
Buscando entender o que fazia de Moreno um grande profissional, a citada Lo Prete lembra que o jornalismo se equilibra entre o “acesso” e o “distanciamento crítico”. “Construir acesso é algo muito importante para o jornalista. Distanciamento crítico é o que te permite fazer o filtro desse acesso. Embora o Moreno fosse muito craque nos acessos, ele sempre fez o exercício da desconfiança, de falar com outra pessoa, e mais outra (para checar a informação)”, comenta, antes de definir: “O jornalismo é movimento. Quem se desloca, tende a ter a preferência. Então eu acho que a curiosidade e a prontidão, que são, a meu ver, as características de um bom jornalista, Moreno tinha na constituição dele”.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 04 de abril de 2023.