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E as pedras voltam a rolar em um grande encontro

publicado: 24/10/2023 10h38, última modificação: 24/10/2023 10h38
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Capa de ‘Hackney Diamonds’, álbum do The Rolling Stones, lançado no dia 20 - Imagem: Polydor/Divulgação

por André Cananéa*

Quero crer que três motivos fazem com que Hackney Diamonds, novo álbum do The Rolling Stones, lançado na última sexta-feira, seja, de fato, o grande disco que ele é (sem contar, obviamente, o grande talento do grupo). O primeiro deles é o encontro de Mick Jagger (vocal), Keith Richards (guitarra) e Ron Wood (guitarra) – os três remanescentes da banda – com o produtor Andrew Watt, um garoto cerca de 50 anos mais jovem que Jagger, que já comandou discos do ícone do heavy metal Ozzy Osbourne a cantora pop Miley Cyrus.

O encontro de um grande artista com um bom produtor é sinônimo de um grande disco, vide a parceria de Mark Ronson com a cantora Amy Winehouse, que resultou no soberbo Back To Black. A cola entre Watt e os Stones deixou a sonoridade deste Hackney Diamonds vibrante, empolgante, com energia escorrendo de cada nota, dando um acabamento impecável à cada canção, muitas delas material fresquinho da lendária dupla Jagger-Richards.

Os outros dois estão relacionados ao baterista Charlie Watts. Em entrevista ao Fantástico, da Globo, Mick Jagger diz que a morte do baterista, em agosto de 2021, trouxe o senso de mortalidade aos demais integrantes dos Rolling Stones, que estão ali pela faixa dos 80 anos de idade e a seis décadas encantam o público de todo o mundo. E Richards admitiu diversas vezes que, após a morte do companheiro, finalizar o álbum havia sido uma questão de princípio.

Então posso até apostar minha coleção de CDs dos Stones que Jagger, Richards e Wood quiseram fazer um disco à altura da memória de Watts. Uma espécie de tributo póstumo ao baterista, ao mesmo tempo em que documentam, nas 12 faixas do repertório, que os Stones seguem vivos, muitos vivos, e que ainda sabem fazer rock‘n’roll como nenhum outro artista na face da terra.

E o próprio Watts está no disco, através de duas faixas gravadas em 2019: a roqueira ‘Live by the sword’ (em que é possível ouvir o baterista contar a marcação do tempo) e ‘Mess it up’, séria candidata a hit (e sua pegada pop lembra a fase oitentista do grupo), que além de Charlie Watts, conta com um importante ex-integrantes dos Stones, o contrabaixista Bill Wyman, gravando com a banda depois de 30 anos – em tempo, a bateria das outras dez faixas coube à Steve Jordan, amigo e produtor dos álbuns solo de Richards.

Sim, eu me junto ao coro que proclama Hackney Diamonds um dos melhores discos lançados pelo Rolling Stones em mais de 60 anos de estrada. Como fã de longa data do grupo, eu enxergo em canções como ‘Angry’, a vibrante faixa que abre o repertório e que traz as guitarras características de Richards e Ron Wood dialogando com o vocal irretocável de Mick Jagger, a balada ‘Depending on You’ e ‘Dreamy skies’, faixas que comporiam qualquer obra-prima do grupo.

Outro motivo para que Hackney Diamonds (algo como “diamantes de Hackney”, em referência a um distrito de Londres) é um timaço de convidados, a começar por Paul McCartney. Reza a lenda que foi o ex-Beatle quem apresentou o futuro produtor do disco aos Stones. Além do mais, Paul toca um contrabaixo distorcido em brasas em uma das melhores faixas do repertório, ‘Bite my head off’, um vigoroso rock de pegada punk. Fãs mais atentos e, sobretudo, com um bom fone de ouvido, ainda irão ouvir Jagger provocar: “Come on, Paul, let’s hear something” (algo como “Vamos lá, Paul, deixe-me ouvir algo”).

Elton John comparece com seu inseparável piano em duas faixas, só que mais discretamente, na citada ‘Live by the sword’ e na funkeada ‘Get close’, que faria brilhar qualquer disco menor lançado pelo grupo nos anos 1980, e ainda tem Lady Gaga, que estava ali pelo estúdio, fazendo as coisas dela, quando foi recrutada por Watt para um dueto com Jagger na épica ‘Sweet sounds of heaven’.

Faixa com mais de sete minutos de duração, ‘Sweet sounds of heaven’ começa lenta, com um dedilhado de piano e Jagger cantando de modo lento e firme. Gaga vai se chegando num acabamento gospel, até que a canção explode e os dois passam a competir para quem canta a nota mais alta, um apogeu que transforma a canção não apenas em uma das melhores do disco, mas do ano de 2023 (e olha que eu nem falei dos teclados tocados por ninguém menos que Stevie Wonder).

E como em todo disco dos Stones que se preze, tem Keith Richards cantando em uma das faixas (‘Tell me straight’, a única que está lá para cumprir tabela) e um único cover, repleto de significados, afinal foi dela que Jagger e Richards tiraram o nome para o grupo: ‘Rolling stone blues’, lançada originalmente em 1950 pelo lendário Muddy Waters. É como ele que os Rolling Stones encerrar o repertório de um álbum que, se Jagger, Richards e Wood quiserem, podem encerrar a carreira discográfica com uma baita chave de ouro.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 24 de outubro de 2023.