Domingo, algumas dezenas de milhares de pessoas estarão grudadas na TV, no celular ou no computador para acompanhar a cerimônia de entrega do Oscar a filmes, diretores, produtores, atores e atrizes e técnicos dos mais variados ramos, que contribuíram para dar vida aos filmes que consumimos em 2023 (alguns deles, este ano; mas pela regra, é preciso ter estreado nos cinemas dos EUA em 2023, para ser indicado à premiação deste ano).
Assistir ao Oscar é um evento. Bem antes da internet, cinéfilos de carteirinha, ou habitués esporádicos do cinema (ou das videolocadoras), se reuniam na casa de alguém para conferir do vestido das celebridades (afinal, moda é parte integrante da premiação) aos ganhadores da cobiçada estatueta, comemorando ou torcendo nariz a cada famosíssima aclamação “and the Oscar goes to…”.
Para muitos, o ritual de reunir a turma para assistir ao Oscar continua, mas a internet e, sobretudo, as redes sociais deram um “plus a mais” na maneira como consumimos a premiação. Hoje há “lives” no Instagram com a reação, ao vivo, da audiência, seja individual ou em grupo; comentários de especialistas sendo transmitidos pelo YouTube e debates em tempo real - mais divertidos do que acalorados - no X.
Afinal, todo mundo quer dar seu pitaco sobre o evento de arte mais popular do planeta. E isso provoca o frisson nas redes sociais, já a partir de agora, com torcidas por este ou aquele filme, críticas (nem sempre construtivas) contra um ou outro diretor, produtor ou ator/atriz e, claro, memes, milhares de memes… afinal a “zoeira must go on”, como li certa vez.
Hoje e, em especial, esta semana, todo mundo é crítico de cinema. E tadinho do crítico, diminuído quando algum inocente chama um mero pitaqueiro de Crítico (com C maiúsculo). Qualquer pessoa com uma conta numa rede social e acesso ao catálogo da Netflix, Prime, Telecine, Max ou Apple TV acha que pode registrar sua apreciação à estética, enredo, direção de arte e atuação, mesmo que sequer tenha tido uma única aula de atuação.
Isso é bom? Não! A internet é um campo minado de opiniões, haja visto que permite a qualquer pessoa se expressar, tenha ela um estudo na área cinematográfica ou não, seja ela um especialista em designer de som, ou alguém que assiste a filmes no modo “acelerado” da Netflix - e nem se importa se o lado esquerdo do fone está com defeito. Ela viu o filme e já está pronta para entrar no debate - uns, com argumentos pertinentes; outros, com frases de efeito que cativam a audiência; a maioria, um festival de mediocridades.
É curioso que as pessoas estejam mais interessadas em fazer bolões e acertar palpites do que discutir a importância da montagem em um filme, ou o que é preciso para levar o Oscar de Melhor Som, ou o que vem a ser “design de produção”. E, sobretudo, se questionar: será que eu vi um filme como Oppenheimer - indicado a nada menos que 13 Oscars - da maneira apropriada para que eu possa julgá-lo? Ou seja, eu tive a experiência pretendida por uma equipe gigantesca que realizou um filme para ser exibido em uma sala com tecnologia de ponta, tanto no vídeo, quanto no áudio? Ou passei a semana assistindo-o “de pedaço”, no meu celular, enquanto fazia outra tarefa, como lavar os pratos? Afinal, eu posso avaliar apropriadamente um filme?
Eu escrevo bastante sobre filmes. Eu amo cinema desde que me entendo por gente. Assisto-os e, depois, vou estudá-los. Leio livros, procuro documentários sobre eles, vejo e revejo obras cinematográficas aclamadas como pontos importantes para a história da sétima arte. Mas não me considero um crítico. Apenas alguém que, quando provocado, procura dar uma opinião minimamente embasada sobre um filme. Meu objetivo é contribuir com o debate munido de argumentos, não impor uma visão sobre a obra.
Consegui ver os 10 indicados a Melhor Filme. Sete, no cinema. Três, no streaming: Barbie, Maestro e Ficção Americana. Fiz - e faço - questão de ver filmes no cinema, o espaço mais adequado para apreciação de uma obra audiovisual, com tela grande, som ajustado e (em tese) livre de distrações. Em casa, mantenho um equipamento de áudio e vídeo razoável para ter um mínimo de experiência de cinema, e o mais importante: reservo tempo e condições para que eu veja o filme inteiro, de uma só vez.
Assim, consigo dizer sem medo: que safra fantástica! Os 10 indicados são grandes filmes que você precisa ver, todos eles. São dramas humanos narrados e interpretados com excelência. Oppenheimer é o favorito, e deve levar os principais prêmios da noite, e fazer justiça para com o talento de Christopher Nolan, um dos maiores diretores do século 21.
Mas, claro, Assassinos da Lua das Flores é Martin Scorsese em momento iluminado, contando uma grande história de maneira soberba; Pobres Criaturas é uma comédia que esbanja criatividade, fotografia, design (de produção) e interpretações; Zona de Interesse é de uma genialidade sem par para narrar uma das maiores atrocidades já cometidas; e Anatomia de uma Queda tem um enredo tão incrível, e envolve o espectador de maneira tão perfeita, que poucas vezes vi isso no cinema.
São meus favoritos. Mas façamos justiça: Ficção Americana tem enredo afiado, uma crítica ao racismo a partir do lugar de fala; Barbie é um filme fantástico sobre amadurecimento, e é melhor do que precisava ser; o excelente Os Rejeitados trabalha tão bem os personagens que quero revê-lo; e Vidas Passadas é um romance muito pé no chão.
O único que não me agradou tanto foi Maestro, e mesmo assim lá está uma das melhores performances do ano, a de Carey Mulligan, que só não leva o Oscar por estar competindo com as colossais Lily Gladstone, Emma Stone e Sandra Hüller.
Que vençam os melhores.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 05 de março de 2024.