por André Cananéa*
Criador da franquia ‘Star Wars’ (outrora chamada, por aqui, de ‘Guerra nas Estrelas’), o diretor e produtor George Lucas é taxativo ao dizer que cinema é efeito especial: “Os efeitos especiais criam a magia que faz as pessoas quererem ir ao cinema, porque eles podem ver coisas que não veriam de outra maneira”.
Para muitos pesquisadores, a magia do cinema começa com Georges Méliès, um ilusionista francês que viveu entre o final do século 19 e o início século 20, responsável por levar às telas algo que parecia impossível naquele 1902: colocar seres humanos na Lua. Ele o fez através do filme ‘Le Voyage Dans la Lune’ (‘Viagem à Lua’, no Brasil, facinho de encontrar no YouTube) utilizando, basicamente, truques em frente às câmeras.
Desde então, o mundo do cinema não para de se debruçar sobre técnicas capazes de fazerem o espectador acreditar que determinado personagem está em outro planeta, ou em outra época, ou em meio a animais ferozes impossíveis de domar na vida real. Ou que super-heróis são capazes de viajar através do metaverso.
Sou um curioso sobre os bastidores do cinema, e as trucagens por trás dos efeitos especiais formam um capítulo bastante interessante dessa história. Recentemente, tenho visto filmes, cujos efeitos foram criados por Ray Harryhausen. Quando este norte-americano nasceu, em 29 de junho de 1920, Méliès já tinha encantado o mundo com seus filmes fantásticos. Mas Harryhausen tem sua importância na história dos efeitos especiais no cinema.
Pesquisando no IMDB, o mais completo banco de dados do cinema, descobri que Ray Harryhausen foi responsável pelos efeitos visuais de 17 filmes entre 1942 e 1998, e sou capaz de apostar minha coleção de DVDs que o leitor já deve ter visto algum deles. Nessa lista há ‘Jasão e o Velo de Ouro’ (1963) – quem não lembra do nosso herói duelando com um grupo de esqueletos? –, os três filmes de Simbad, ‘Simbad e a Princesa’ (1958), ‘A Nova Viagem de Simbad’ (1973) e ‘Simbad e o Olho do Tigre’ (1977), e, um de seus últimos trabalhos, a primeira versão de ‘Fúria de Titãs’ (1981).
Recentemente, consegui assistir a um de seus longas mais celebrados, ‘Invasão de Discos Voadores’. O filme de 1956 é um divisor de águas no universo dos filmes de alienígenas e inspirou do blockbuster ‘Independence Day’, que extraiu do clássico a ideia de naves destruindo Washington D.C. (EUA), assim como ‘Marte Ataca!’ (coincidentemente, ambos lançados em 1996), cujo diretor, Tim Burton, é fã confesso do mestre.
Os efeitos criados para ‘Invasão de Discos Voadores’ impressionam até hoje. Até então, os óvnis não passavam de discos estáticos balançando de um lado e do outro da tela (vide a tosqueira de ‘Plano 9 do Espaço Sideral’, de Ed Wood).
Mas ali, Harryhausen insistiu que, para serem críveis, esses discos precisavam de mecanismos que fizessem o espectador acreditar que eles eram capazes de, de fato, voarem. Foi aí que ele imaginou que discos girando em direções contrárias na base da nave, daria veracidade à invasão.
Deu um trabalhão, afinal, o responsável pelos efeitos precisava fotografar as maquetes dos discos voadores quadro a quadro, registrando repetidamente pequenas variações de giros para que, quando o filme rodasse, desse a impressão que eles estavam, de fato, girando.
Esse é um minúsculo exemplo do enorme talento de Harryhausen e o trabalho pioneiro que ele desenvolveu a partir da segunda metade do século passado, uma importância que o coloca no topo das referências quando o assunto é efeitos visuais. Tanto o é que o legado de Ray Harryhausen inspira toda a equipe da Industrial Light & Magic, empresa criada por George Lucas (claro!) para desenvolver efeitos especiais para sua obra-prima, ‘Star Wars’ (1977), e que acabou se tornando uma das mais requisitadas do cinema moderno (é a empresa por trás dos efeitos de ‘Parque dos Dinossauros’ e ‘Transformers’, além de diversos filmes de super-heróis).
A saga da criação da empresa é tema da série documental ‘Light & Magic’, disponível desde julho no catálogo do Disney Plus. Vi dois dos seis episódios até agora. O primeiro mostra quem são os talentosos pioneiros da empresa, malucos por aviação, pintores, fotógrafos e mecânicos de motos que ergueram, do nada, ferramentas para criar a ilusão que cerca a ópera espacial de Lucas. Isso em um tempo em que efeitos digitais não eram nem coisa de ficção científica.
Ansioso para ver os demais capítulos. Afinal, ali está a história de uma das empresas de efeitos especiais mais importantes da história da sétima arte.