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Elvis e Parker: uma relação tóxica

publicado: 06/09/2022 00h00, última modificação: 06/09/2022 12h47
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Contrato entre Coronel Parker (E) e Elvis (D) era tipo Luva de Pedreiro e seu ex-empresário - Foto: Divulgação/HBO Max

tags: elvis presley , hbo max

por André Cananéa*

Elvis, que acaba de chegar ao serviço de streaming HBO Max (e ainda pode ser visto nos cinemas), é um filme sobre um homem que vendeu a alma ao diabo. Mas não a dele próprio… estamos falando de como o Coronel Tom Parker vendeu a alma de Elvis Aaron Presley em troca de dinheiro, muito dinheiro! 

Filmaço dirigido Baz Luhrmann, acostumado a realizar musicais histriônicos (vide Moulin Rouge - Amor em Vermelho e O Grande Gatsby), a produção tem muito da assinatura exuberante do diretor australiano (edição ágil, música alta, figurinos super coloridos, cenários pomposos), mas Elvis me mostrou um Luhrmann mais contido, entregando um drama com músicas ao invés de um musical dramático (caso, por exemplo, de Rocketman, sobre Elton John).

Assim como Milos Forman escolheu contar a história de Mozart através de seu invejoso colega Antonio Salieri (na obra-prima Amadeus, de 1984), Baz Luhrmann (que também assina o roteiro) narra a ascensão e queda Elvis (vivido pelo ator Austin Butler) pela ótica de seu empresário, o dito Coronel Parker (com Tom Hanks no papel, trabalhando no limite do caricato).

Em seu enredo, Luhrmann deixa claro que Parker foi um sanguessuga de Elvis, um empresário tóxico, manipulador e ganancioso, com uma lábia impressionante, que até mesmo após a morte do astro, ainda brigava para tentar tirar um pouco mais do espólio do cantor, querela que só chegou ao fim por decisão judicial, de acordo com o filme.

Em quase três horas, a produção condensa a carreira de Elvis, tomando, claro, as liberdades criativas que uma obra “inspirada em fatos” pode tomar. As escolhas do filme o levam a deixar de lado as gravações de discos e a vida de músico propriamente dita de Elvis para focar em aspectos conflituosos dessa trajetória, vez ou outra criando situações que sequer existiram para dar ao enredo mais pulsão dramática.

De início, conhecemos as origens do futuro astro, um menino branco criado pela mãe (enquanto o pai estava preso) em uma comunidade negra, que vivia ali, brechando os inferninhos de blues e as celebrações gospel das manhãs de domingo, gêneros que, misturados e combinados às suas performance incendiária, dariam ao cantor o título de “Rei do Rock” e mudariam, para sempre, a cultura norte-americana.

A primeira parte é toda dedicada à construção dos personagens, e de como Elvis se tornou Elvis, até que a moral conservadora da América colocou um freio em suas ousadas transgressões, desde “quebrar” a segregação imposta pela América racista, ao participar de “rolês” com B.B. King, Sister Rosetta e Little Richards, até seu ousado requebrado para a TV norte-americana.

Esse cabo de guerra, intermediado por Parker, levou Elvis a dar um tempo nos palcos para se dedicar ao cinema, fazendo, como o próprio empresário admite, filmes muito baratos e lucrativos, contrariando as aspirações do astro do rock em ser o próximo James Dean ou de realizar um clássico pelo qual o astro pudesse se orgulhar.

Findo o interlúdio cinematográfico, e encontrando novos produtores para sua carreira (contudo sem conseguir se livrar de Parker), a segunda parte do filme começa com o famoso especial Elvis Comeback, de 1968, quando, de fato, a carreira do Rei do Rock alcança níveis estratosféricos, apesar das constantes sabotagens do ganancioso empresário, mais interessado em salvar sua pele e ganhar turras de dinheiro do que, de fato, promover o artista que tinha em mãos. Uma relação perniciosa como a que tivemos aqui perto, e há poucos meses, entre o youtuber Luva de Pedreiro e seu agora ex-empresário.

A segunda fase da carreira de Elvis foi tão curta, quanto intensa. Foram apenas nove anos desde que ele retornou aos palcos até sua morte, em 16 de agosto de 1977. Nesse espaço, ele teve que abrir mão de uma turnê internacional para se dedicar a shows cada vez piores, regados a insatisfação, álcool e uma quantidade colossal de remédios, que acabaram por destruir seu único casamento (com Priscilla Presley) e sobrecarregar o coração do astro, lhe ceifando a vida aos 42 anos de idade.

Obviamente, Elvis não serve como um documentário, embora seja entretenimento dos melhores. Mas o próprio HBO Max dispõe de um bom documentário sobre o astro, Elvis Presley: The Searcher, focado justamente no que falta ao filme Elvis: mostrar o alquimista do rock, de como ele construiu a sonoridade que o tornou um artista eterno. 

Já para os colecionadores de mídia física, uma ótima notícia: o filme de Baz Luhrmann chega ao mercado nacional na primeira quinzena de outubro, tanto em blu-ray, quanto em DVD, com material extra sobre os bastidores mais robustos que os featurettes de 1 minuto, que o HBO Max disponibilizou em seu serviço.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 6 de setembro de 2022.