Elvis Presley e Frank Sinatra cantando juntos! Parece até coisa de inteligência artificial, mas não é. A Voz se dobrou ao Rei do Rock em 1960, quando recebeu Elvis em seu programa de TV Timex Show, após o hiato de 17 meses em que o intérprete de “Jailhouse rock” abdicou da carreira para servir ao Exército dos EUA no exterior.
Daqui - e 64 anos depois - eu imagino Frank Sinatra trincando os dentes para ter Elvis como estrela de seu programa. Em outubro de 1957, menos de três anos antes do grande encontro, Frank Sinatra enviou um texto à revista francesa Western World em que segurava o rock pelo pescoço e lhe dava uma bofetada na cara, através de uma imolação pública: “(O rock é) a forma de expressão mais brutal, feia, degenerada e corrupta que já tive o desprazer de ouvir”, escreveu o veterano cantor, do alto de seus 41 anos de idade.
O texto (parte dele consta na portentosa biografia Sinatra - O Chefão, de James Kaplan) correu o mundo e atingiu um jovem com quase metade da idade do autor do artigo. Aos 23 anos de idade, Elvis ainda não havia embarcado para servir no front, mas já era um rei, e não deixou a provocação de Sinatra barato.
Em um encontro com a imprensa já no dia seguinte à publicação, Elvis afirmou que admirava Frank Sinatra, respeitava o direito dele de dizer o que bem entendesse, mas ponderava: “Ele está equivocado. O rock é uma tendência, tal como ele teve quando começou anos atrás. Considero a melhor coisa em música”.
Curiosamente, em 1971, 14 anos depois do artigo contra o rock, Sinatra regravou “Something”, dos Beatles, transformando a canção de George Harrison em um grande standard da sua carreira, e já perto do fim da vida, em 1993, o famoso Blue Eyes topou gravar um dueto com Bono Vox, vocalista do grupo de rock U2, mas para a canção “I’ve got you under my skin”, clássico do cancioneiro sinatriano.
É por isso que o encontro entre Elvis e Sinatra, ali, em 26 de março de 1960, é tão emblemático. Relançado semana passada nas plataformas digitais de música, Welcome Home Elvis reúne, em sete faixas, entre diálogos, canções e até anúncios comerciais (?!), a participação de Elvis naquela edição especial do Timex Show.
É um total de 12 minutos e 34 segundos, com conteúdo remasterizado, que traz à tona a cafona (e divertida) abertura do programa, uma improvisação da canção “It’s very nice to travelling” com o anfitrião da noite; a filha dele, Nancy Sinatra; Joey Bishop; Sammy Davis Jr. e o grupo Tom Hansen Dancers, e o convidado da noite, que entra quase no fim do número, paramentado com uniforme militar.
No programa, Elvis (que teria recebido nada menos que 125 mil dólares para ficar menos de 10 minutos na tela, muito mais do que Sinatra recebia para fazer o programa) fica cerca de meia-hora nos bastidores, antes de voltar para três números. No repertório desse novo conteúdo, essa parte foi cortada e vamos direto para “Fame and fortune” e “Stuck on you”, ambas recém lançadas pelo convidado, na época.
Em seguida, vem o famoso dueto entre Elvis e Sinatra. Começa com o mais jovem propondo cantar uma música do mais velho, e o mais velho solta uma piadinha se perguntando o que teria sido de “Love me tender” se ele tivesse gravado, ao invés de Elvis. E assim Elvis vai de “Witchcraft” e Sinatra, de
“Love me tender”.
Na biografia de Sinatra, James Kaplan anota que, jocosamente, Elvis sai do roteiro e muda ligeiramente a letra de “Witchcraft”, um dos maiores sucessos de Sinatra. Na letra original, a frase é “Não há bruxa mais bela que você”, que na interpretação de Elvis ficou “Não há bruxaria mais bela que… bruxaria”. “E Frank entra de imediato no jogo - mais do que entra no jogo: dá uma risada sedutora para Elvis, como que aprovando e, como profissional que é, passa com tranquilidade para o último trecho de ‘Love me tender’”, escreveu o biógrafo. O álbum termina com Frank Sinatra chamando Nancy Sinatra para apresentá-la formalmente ao convidado.
Essa apresentação audiovisual chegou a ser lançada no Brasil em DVD, mas hoje facilmente pode ser encontrada no YouTube (veja através do link). A nova masterização será lançada em mídia física no exterior, tanto em vinil, quanto em CD.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de março 2024.