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Eric Clapton em 12 compassos

publicado: 22/10/2024 09h55, última modificação: 22/10/2024 09h55
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Vida, obra, paixões e tragédias de Eric Clapton estão no documentário — mas não seu polêmico lado antivacina | Foto: Divulgação

por André Cananéa*

Ao assistir ao documentário Eric Clapton – Life in 12 Bars, disponível no Globoplay (através da assinatura Globoplay + canais), me peguei pensando quando surgirá outro Eric Clapton, se é que isso é possível. Guitarrista dos mais importantes da música mundial, é um obstinado por tocar (do tipo que fazia isso manhã, tarde e noite) e, cedo, percebeu que precisava encontrar uma sonoridade própria, o que o fez testando dezenas de amplificadores e criando novas maneiras de gravar sua música.

O artista inglês, hoje com 79 anos de idade, fez shows recentes no Brasil e tem sua vida e carreira esmiuçadas em Eric Clapton – Life in 12 Bars. Apaixonado por blues, tornou-se um dos grandes expoentes do gênero e, em pouco mais de duas horas, nós ficamos conhecendo da sua profícua primeira fase musical à paixão avassaladora que teve pela esposa do melhor amigo, passando pelos vícios em heroína e álcool e a trágica morte do filho, aos quatro anos de idade.

Datado de 2017, o documentário não aborda a persona negacionista que emergiu na pandemia (ele chegou a gravar uma música, “This has gotta stop”, rotulada como uma canção “antivacina”), nem sua militância pró-Palestina nos atuais conflitos árabes (em São Paulo, ele chegou a tocar com uma guitarra pintada com as cores da bandeira da Palestina).

Em menos de 10 anos, do momento em que ele entrou para o seminal grupo de blues-rock Yardbirds, em 1963, aos 17 anos, até seu autoexílio, no começo dos anos 1970, Eric Clapton teve uma ascensão meteórica, embarcado em diversos projetos — foi por essa época que apareceu a famosa pichação “Clapton is god” (“Clapton é deus”).

Em 1965, ele deixou os Yardbirds no auge (o grupo ombreava com os Rolling Stones em importância) para integrar o John Mayall & The Bluesbreakers, com quem gravou o seminal Blues Breakers with Eric Clapton (1966). Porém, mal saíra o disco e ele já pedia as contas, pois estava com um projeto ambicioso em vista: o power-trio de jazz, rock e blues Cream.

O Cream foi, nas palavras do então presidente da Atlantic Records, Ahmet Ertegün, “a maior banda do mundo naquela época”, mas durou apenas três anos e três discos de estúdio, terminando em novembro de 1969, quando dois terços do grupo (o baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker) não paravam de se estranhar, e Clapton já estava com Steve Winwood (do Traffic) em outro projeto, o Blind Faith, que renderia um único — porém obrigatório — álbum, o homônimo Blind Faith (1969).

Ou seja, Clapton contribuiu com vigor e criatividade para a efervescente década de 1960, correndo em paralelo com a carreira dos Beatles, por exemplo. Aliás, George Harrison, guitarrista do grupo, era um dos melhores amigos dele. E isso nos leva a outra parte importante do documentário de 2017: a paixão avassaladora que Eric Clapton teve pela esposa de George Harrison, a modelo londrina Pattie Boyd.

Essa paixão rendeu carta de amor, almoços e jantares a dois e até uma pulada de cerca, mas o mais importante registro dessa história está no disco Layla and Other Assorted Love Songs, lançado em 1970 por um tal de Derek and the Dominos. O filme retrata diversos aspectos do álbum, como o fracasso comercial em seu lançamento, que a gravadora atribui ao fato de Eric Clapton ter usado um pseudônimo (Derek) em vez do próprio nome (“Menos pressão”, diz o músico ao justificar a escolha).

Compostas por Clapton, as letras versam sobre paixões não correspondidas, traz uma versão para “Little wings” (Jimi Hendrix) e reflete o estado de espírito do músico, cada vez mais afundado nas drogas (vide “Nobody knows you when you’re down and out”, algo como “Ninguém ama você quando você está para baixo e por fora”). Mas a grande canção do repertório é mesmo “Layla”. “Layla, você me deixou de joelhos (...) / Eu tentei te dar consolo / Quando seu velho te decepcionou / Como um tolo, eu me apaixonei por você / Virou meu mundo inteiro de cabeça para baixo…”, diz um trecho da letra, inspirada no livro Layla e Majnun, do autor persa Nezami. Mas seu conteúdo faz referências explícitas ao caso, incluindo o suposto desdém com que George Harrison tratava a esposa naqueles dias.

O vício em heroína, que tirou Clapton de circulação e o tornou um ermitão em casa, assolou o músico na primeira década dos anos 1970. Seu retorno foi desastroso: “Troquei o vício em heroína pelo vício no álcool, que acho mais perigoso”, reflete o guitarrista no filme, que encerra abordando o acidente que vitimou o filho, de apenas quatro anos (o processo de luto resultou na música “Tears in Heaven”), e de como ele conseguiu se reerguer, aos 53 anos de idade, ao se casar com Melia McEnery, com quem teve três filhas.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de outubro de 2024.