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Fale Comigo é conto de horror (in)tenso

publicado: 15/08/2023 12h54, última modificação: 15/08/2023 12h54
Foto Divulgação A24.jpg

Mia (Sophie Wilde) em cena do filme que é sucesso no mundo e estreia no Brasil - Foto: A24/Divulgação

por André Cananéa*

Estreia nesta quinta-feira, nos cinemas de todo o Brasil, Fale Comigo (Talk to Me, no original), filme de terror que se tornou sensação no mundo todo e desponta como um dos melhores longas de 2023. Eu já vi o filme na sessão exclusiva que o Imagineland promoveu em parceria com a Diamond Filmes, que tem os direitos de exibição no Brasil e, se não me falha a memória, em boa parte da América Latina.

A sessão ocorreu no dia 29 de julho, no Centerplex Pedra do Reino, o cinema instalado no Teatro Pedra do Reino durante o evento de cultura pop, um dia após Fale Comigo estrear nos Estados Unidos e Reino Unido, superando na bilheteria, só nesse dia, o orçamento gasto com a produção independente australiana, que caiu nas graças de renomados diretores, como Jordan Peele (Corra; Nós), Ari Aster (Midsommar: O Mal Não Espera a Noite), George Miller (da quadrilogia Mad Max), Peter Jackson (que embora seja bem conhecido pela trilogia O Senhor dos Anéis, chegou a dirigir fitas de terror no início da carreira, como Os Espíritos e Fome Animal) e, dizem, até Steven Spielberg (que nunca dirigiu um filme de terror, mas produziu e concebeu a história de Poltergeist: O Fenômeno).

O hype, como dizem os modernos, tem sua razão de ser. Fale Comigo é uma das pérolas do cinema moderno de horror, com lugar de honra em uma galeria na qual estão os citados Corra e Midsommar, além de A Bruxa, Corrente do Mal e Hereditário, para ficar em apenas cinco. Especialistas enxergam nesses filmes pontos fora da curva das narrativas tradicionais do gênero (que remonta ao expressionismo alemão, há mais de 100 anos) e até os acomodaram em um subgênero novo, o tal “pós-terror”.

Novo para quem não enxerga além de Hollywood, vale lembrar. A novidade que a indústria chama de pós-terror, com produções que trocam sustos fáceis por contos intensos, roteiros surpreendentes e direção acima da média, não é novidade, por exemplo, no cinema asiático. Muitos desses filmes chamados “pós-terror” certamente beberam do cinema de horror japonês, que tem biscoitos finos produzidos nos anos 1950 e 1960 e que custaram muito a serem apreciadas no mundo Ocidental, sobretudo os filmes de fantasmas (o tal “kaidan”)

Dia desses vi uma jóia desse gênero, o coreano O Lamento (2016), lançado no Brasil com esmero, em blu-ray, pela Versátil Home Vídeo. Misto de mistério, drama e “kaidan”, é um bom exemplo de como o cinema moderno de horror pode meter medo sem apelar para sustos fáceis e trabalhar a virada de roteiro (ou viradas) para além da surpresa no final da história.

Produzido na Austrália por dois youtubers locais, Fale Comigo é um horripilante conto de horror que se vale, ora de um certo drama soturno, ora de uma boa história de fantasmas/entidades malignas. Equilibrando esses dois mundos, os irmãos gêmeos Danny e Michael Philippou obtêm uma narrativa que vai lhe deixar grudado na cadeira do cinema. O resultado é tão convincente e, ao mesmo tempo, tão profundo que a produtora mais quente do momento, a A24, comprou o longa-metragem independente e anunciou, na semana passada, irá produzir uma sequência.

Tudo gira em torno de um grupo de amigos. O filme começa logo com uma tapa na cara do espectador. É um preâmbulo para algo que será amarrado lá pelo meio da história. Passada essa breve apresentação, o filme se concentra em Mia (Sophie Wilde), que perdera recentemente a mãe em circunstâncias trágicas e tenta lidar com esse luto.

Muito próxima aos irmãos Jade (Alexandra Jensen) e o caçula Daniel (Otis Dhanji), que moram com a mãe (Miranda Otto, nome mais estelar do elenco), Mia os convence a participar de uma espécie de “pegadinha” com outros colegas do Ensino Médio. Eles possuem uma mão mumificada e conhecem um ritual que permite a quem apertar a tal mão, conversar com pessoas que já morreram, e fazem disso uma diversão, como se estivessem andando de montanha-russa, por exemplo.

Acontece que esse ritual é perigoso, e traz consequências para o jovem Daniel, algo que mexe não apenas com os membros do grupo, mas sobretudo com a própria Mia e seus demônios interiores - que não são, necessariamente, fantasmagóricos, mas reações profundas da psique humana, como rezam os bons contos de horror da literatura. E essa costura é o grande trunfo de um pequeno grande filme que merece ser visto na tela grande, e na sala escura.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 15 de agosto de 2023.