Criado em 1961 na litorânea cidade californiana de Hawthorne, nos Estados Unidos, o grupo The Beach Boys tem uma trajetória curiosa - e parte dela se deve aos Beatles! O documentário The Beach Boys, novidade no catálogo do Disney+, trata de contar essa e outras histórias em torno dos irmãos Brian, Carl e Dennis Wilson, o primo Mike Love e o amigo Al Jardine, quinteto que deu início à banda de rock mais quente da costa oeste naqueles badalados anos 1960.
A história do quinteto começa em 1961, quando eles embarcam no emergente rock ‘n’ roll que conquistava o mundo através de nomes como Chuck Berry e Elvis Presley. Qual foi a sacada inicial? Aditivar com letras sobre surf, praia, garotos e garotas, uma música vibrante, porém instrumental, que vinha sendo feita por artistas como Dick Dale e The Ventures. Mas foi assim que os Beach Boys se tornaram ícones de uma tal “surf music”.
Acrescente a isso outro diferencial que iria trazer uma grande transformação para a música popular moderna de maneira geral: a harmonização vocal. Declaradamente inspirado em grupos como The Four Fresmen, o Beach Boys criou essa marca de vozes masculinas completamente afinadas dentro do rock como ninguém havia feito até então.
A trajetória dos Beach Boys tem outra peculiaridade: seu líder, Brian Wilson, desistiu de excursionar com o grupo no momento em que a banda alçava voos internacionais. Preferia ficar trancado no estúdio, criando. As experimentações que ele viria a criar levaram a imprensa a aclamá-lo como gênio, um gênio recluso voltado inteiramente à música, sempre criando o repertório que os demais integrantes deveriam aprender e levar para os palcos.
Com depoimentos revisionistas de ex-integrantes, especialistas e pessoas que conviveram de perto com os membros dos Beach Boys, além de material de arquivo que pouquíssima gente havia visto até então, o filme mostra bem essa relação, de como Brian foi substituído por uma sucessão de músicos para manter o quinteto aceso no palco, enquanto ele criava, com a banda de estúdio Wall ofSound (criada por Phil Spector, que inspirou Brian a buscar um som cada vez mais sofisticado), obras como Pet Sounds, que a gravadora Capital Records odiou e o público não entendeu, afinal, era sofisticada demais dentro do repertório “surf music” - mas acabou dando origem ao LP Sgt. Pepper’s, dos Beatles.
Essa rixa com os Beatles é bem conhecida e, claro, integra o filme - inclusive mostrando como Lennon e McCartney chegaram a Pet Sounds. Contudo, The Beach Boys deixa claro como era uma rivalidade dos garotos da Califórnia para com os garotos de Liverpool, não o contrário. E pensando bem, nunca vi um documentário dos Beatles (e vi muitos) que se preocupasse em abordar os Beach Boys, mas no principal filme sobre o grupo de Brian Wilson, a turma de Paul McCartney preenche um capítulo de destaque.
As histórias por trás da ascensão e queda dos Beach Boys são muitas: o pai e empresário abusivo do grupo, Murry Wilson - que ao ser demitido do grupo, negociou os direitos sobre as músicas da banda a terceiros; o distanciamento de Brian Wilson dos demais; as brigas pelo controle criativo e a consequente busca por um som que agradasse o sofisticado irmão mais velho; a derrocada do grupo, que passou a tocar em lugares cada vez melhores; e o ressurgimento, a partir do lançamento da coletânea Endless Summer em 1974 (à revelia dos integrantes) que, repleta de antigos sucessos, levou os Beach Boys a lotar estádios mundo afora.
Estão lá, por exemplo, a ascensão de Van Dyke Parks como letrista, que além de apresentar a Brian Wilson drogas mais pesadas, passou a criar letras cada vez mais viajadonas, levando a discografia dos Beach Boys a um som etéreo que o público não comprou, assim como o capítulo tenebroso em que o bonitão Dennis Wilson conheceu o malucão Charlie Manson, que chegou até a compor uma música com o Beach Boys, “Never learn not to love”, lançada como lado B de um compacto.
Acontece que Manson tinha o sonho de ser um astro do rock, e graças a Dennis conheceu um figurão da indústria, Terry Melcher, que rejeitou os “talentos” de Charles Manson. Isso foi o gatilho para a chacina de 8 de agosto de 1969, em que cinco pessoas foram assassinadas pela seita de Manson, incluindo a atriz Sharon Tate. “Isso pesou muito sobre o Dennis, porque foi ele quem apresentou Manson ao nosso mundo”, desabafa Mike Love no filme.
The Beach Boys termina com uma bela imagem: uma reunião com os remanescentes do grupo nos dias de hoje, entre os fundadores originais (Al Jardine e Mike Love) até os que vieram depois (Bruce Johnston, David Marks) com o vértice da banda, o gênio Brian Wilson, aos 80 anos, recentemente diagnosticado com demência e atualmente sob a tutela de empresários. Os irmãos dele, Dennis e Carl, já faleceram, em 1983 e 1998, respectivamente.
*Artigo publicado originalmente na edição impressa do dia 11 de maio de 2024.