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Há 50 anos Bowie matava Ziggy

publicado: 28/11/2023 14h08, última modificação: 28/11/2023 14h08
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Edição especial celebra os 50 anos da turnê - Imagem: RCA/Divulgação

por André Cananéa*

Em 3 de julho de 1973, no Hammersmith Odeon, em Londres, David Bowie deixava os fãs em estado de choque: ao final daquele show, o cantor e compositor matava, com um breve discurso proferido antes do último número (‘Rock ‘n’ Roll Suicide’), o alienígena mais famoso da cultura pop, Ziggy Stardust, criado pelo artista inglês a reboque do LP The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, lançado um ano antes. Assim, na turnê que leva o nome do álbum de 1972, não era Bowie quem subia ao palco, mas o tal Ziggy Stardust, uma estrela do rock que age como mensageiro de seres extraterrestres, acompanhada pela afiada banda The Spiders From Mars.

Viagens interplanetárias – e fartas doses de marketing – à parte, repertório, banda e, sobretudo, figurino fizeram história através da lendária turnê, cujo show derradeiro, naquele 3 de julho, acabou registrado em película pelo cineasta D.A. Pennebaker, documentarista de mão cheia que, até ali, já havia gravado para a posteridade a turnê de Bob Dylan pela Inglaterra em 1965 (Don’t Look Back) e o festival Monterey Pop em 1968 (com performances incríveis de Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who etc.).

Corria justamente 1973 quando Pennebaker recebeu um recado que dizia que a RCA gostaria de conversar com ele. A RCA era a gravadora de David Bowie e queria que o renomado documentarista registrasse meia hora do espetáculo em uma nova mídia desenvolvida pela empresa. Mas ao sair dos EUA rumo à Londres, com uma escala escalafobética na Itália, e dar de cara com o magnetismo daquela apresentação, Pennebaker vislumbrou algo mais: um completo longa-metragem.

Depois de muito imbróglio, o longa foi lançado sob o título de Ziggy Stardust: The Motion Picture, e teve diversas encarnações em mídia física, a mais recente lançada em agosto deste ano, para celebrar os 50 anos da turnê. Com imagens restauradas em 4K pelos filhos de D.A. Pennebaker, Frazer e Nate, e pela viúva Chris Hegedus, a nova versão não tem apenas melhor qualidade de imagem e som (com uma necessária correção de cores, por exemplo), mas entrega o show completo, afinal inclui os dois números em que o guitarrista Jeff Beck participa, e que haviam sido limados das edições anteriores.

O resultado, além de ter sido visto em um número limitado de salas de cinema, ganhou novas edições em LP (com discos dourados) e uma embalagem contendo o filme em blu-ray e dois CDs (também com o show na íntegra, mais completo que o LP lançado em 1983), além de um livreto com textos assinados, entre outros, por D.A. Pennebaker (datado de 2002, afinal ele faleceu em 2019, aos 94 anos).

Nele, o diretor conta o perrengue que passou não só para rodar o filme em 1973, mas para transformá-lo em longa e exibi-lo nos cinemas (tour de force que incluiu convencer o próprio Bowie a mixar o som do show para a película).

Visto no blu-ray (e, acredito, também nos cinemas) Ziggy Stardust, o filme-concerto, é uma experiência imersiva fantástica em uma das fases mais criativas e pujantes de David Bowie, então com 25 anos de idade, pouco mais de seis anos de carreira e seis discos no currículo.

O olhar de Pennebaker e sua equipe sobre o artista e o show criaram um mergulho naquela turnê que permanece esplêndida até os dias de hoje. O cineasta não tira a câmera de Bowie, mas também não se esquece de registrar os momentos inspiradíssimos do grande guitarrista que o acompanha, Mick Ronson, e ainda garante ao espectador acesso aos bastidores, onde pode ser vista a troca de roupa de Bowie, com o show em andamento – figurino assinado por Kansai Yamamoto, que foi parar em diversos editoriais de moda espalhados pelo mundo.

Parte importante da experiência é o público capturado pelo filme, adolescentes e jovens não mais velhos que o ídolo no palco, e o amálgama entre a performance teatral de Bowie e as lágrimas e o êxtase do público, que pavimentam o repertório formado por faixas do próprio LP Ziggy… (‘Hang on to yourself’, ‘Ziggy stardust’, ‘Suffragette city’, ‘Rock ‘n’ roll suicide’, ‘Moonage daydream’ etc.), pérolas dos primeiros discos (‘Changes’, ‘Oh! You pretty things’, ‘Wild eyed boy from freecloud’, ‘The width of a circle’) e faixas do recém-lançado Aladdin Sane (‘Watch that man’, ‘Cracked actor’, ), além de um punhado de covers, dos Rolling Stones (‘Let’s spend the night together’, presente em Aladdin…) até uma citação aos Beatles (‘Love me do’, entrecortando o então inédito número de ‘The Jean Genie’), passando por Velvet Underground (‘White light/White heat’) e Ratt (‘Round and round’).

Documento importante não apenas na carreira de David Bowie, mas também sobre a cultura musical da “swinging London” dos anos 1970, Ziggy Stardust: The Motion Picture é, ainda, uma grande performance de um dos maiores artistas de todos os tempos.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de novembro de 2023.