Lembro como se fosse hoje. Era um sábado, início de tarde. Estava de saída de um shopping aqui de João Pessoa quando meu telefone celular tocou. Era minha mãe. “Meu filho, tudo bem? Olha, aquela cantora que você gosta morreu. Acabou de dar no Jornal Hoje”. Recebi a notícia com certa indiferença: “Qual delas?”. “Amy Winehouse”, respondeu. O que se seguiu, daí, foi um turbilhão de vastas emoções e pensamentos imperfeitos… esse diálogo completa, sexta-feira que vem, dez anos.
Amy Winehouse (1983-2011) não era só uma cantora que eu gostava, mas venerava, como venero até hoje. Seis meses antes de seu corpo ser encontrado, sem vida, naquele 23 de julho de 2011, ela havia feito um show aqui perto, em Recife, precisamente no dia 13 de janeiro daquele ano. Eu estava lá, na “fila do gargarejo”, como se diz, assistindo à maior voz do início do século 21, ao vivo, porém trôpega, desafinada, descompassada com o restante de sua excepcional banda, mergulhada em goles e goles do que parecia ser vinho branco.
O show, como muitos dessa fase, foi um completo desastre e, duplamente triste eu fiquei por ver uma artista do quilate dela, ali, destruída artística e emocionalmente, vítima dos excessos que o sucesso lhe trouxe, mas, também, pela alegria do público, na saída do show, que celebrava esse circo de horrores, mais satisfeitos por terem visto Amy cair no palco do que entregar uma apresentação à altura do talento dela.
A vida e a carreira de Amy Winehouse tiveram vida curta. Ela morreu aos 27 anos, uma idade nefasta no mundo da música pop. Afinal, com essa idade morreram outros grandes talentos da música, a saber Brian Jones (Rolling Stones), Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin e Kurt Cobain (Nirvana). Dessa turma, a cantora inglesa foi a que menos lançou discos em vida, apenas dois. Mas um deles é um dos álbuns mais inspirados e perfeitos – artisticamente falando – de todos os tempos: Back To Black.
Lançado em outubro de 2006, o álbum vendeu cerca de 20 milhões de cópias ao redor do mundo e fez a fama internacional de sua vocalista, uma cantora inglesa, branca, magricela, mas com um tremendo vozeirão, comumente comparado às célebres cantoras de jazz, como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. O disco, além de um arranjo retrô que celebra as grandes cantoras do pop/soul do passado, também ficou conhecido pelos temas de dor de cotovelo que tratam boa parte das músicas, fruto de um relacionamento para lá de tumultuado com o também cantor Blake Fielder-Civil.
Dez anos depois, como estaria a carreira de Amy Winehouse se as drogas, o álcool e os excessos não tivessem lhe ceifado a vida prematuramente? Aos 37 anos, ela certamente já teria um punhado de álbuns acrescidos à sua precisa discografia. Cantora de voz única – mas é bom lembrar que ela também era sua supercompositora –, fico pensando com meus botões se ela não teria lançado um disco mais voltados ao ska e ao reggae, gêneros que ela chegou a flertar no próprio Back To Black (vide ‘Just friends’).
Mas essa não é a única pista. No disco póstumo Amy Winehouse Lioness: Hidden Treasures (2011), repleto de gravações inéditas deixadas no estúdio pela cantora (incluindo uma versão para ‘Garota de Ipanema’), a faixa que abre repertório é uma releitura reggae da famosa canção ‘Our day will come’, lançada em 1963 pelo grupo de R&B Ruby & the Romantics (e regravada por Julie London, Doris Day, The Supremes, Cher e The Carpenters, entre tantos outros).
Mas antes, no disco de estreia, Frank (2003), já havia reggae correndo nas veias daquele álbum. Basta ouvir a curiosa (des)construção do clássico ‘I’m in the mood for love’ (rebatizada de ‘Moody’s mood for love’). “Amy sempre foi uma grande fã de reggae”, atesta do produtor da faixa, SaLaAM ReMi, no encarte do outro disco, Hidden Treasure.
Mas, claro, isso são apenas elucubrações. Ela poderia ter, até, abandonado a carreira de cantora, como faz crer um amigo dela, de infância, Tyler James. Ele acaba de lançar um livro de memórias sobre a amiga famosa, Minha Amy, prometido para sair no final deste mês de julho pela editora Agir. Nele, James faz um retrato íntimo da amiga, como o fato de ela não suportar deixar de fazer coisas comuns, como ir ao supermercado, sem que fosse perseguida por infames paparazzis. Também revela que ela morreu sem ser a mãe que sempre quis ser, além de abordar a timidez da artista na adolescência e, sobretudo, retratá-la da maneira mais afável e carinhosa do que a imagem “pé na jaca” cristalizada nos últimos anos de carreira.
Por outro lado, a gravadora Universal Music também lembra a data lançando uma edição tripla do álbum Amy Winehouse At The BBC, lançado originalmente em 2012 com dois CDs, trazendo, entre as novidades, as canções apresentadas nos programas ‘A Tribute To Amy Winehouse de Jools Holland’ e ‘BBC One Sessions Live at Porchester Hall’. Um pequeno suvenir para aplacar a saudade de uma voz que se calou cedo demais.
*Coluna publicada original na edição impressa 20 de julho 2021.