A melhor coisa de passar do fim do século 20 para o início do século 21 foi acompanhar de perto a revolução digital que mudou absolutamente (quase) tudo. Vi as coisas acontecerem, mas vi muita previsão afundar feito pedra em água. “Ah, o LP já era”, ouvi dos amigos enquanto mostrava um aparelho de CD, na João Pessoa analógica de 1989. “Ah, a internet vai mudar tudo: não vamos ter livros, discos nem filmes, será tudo dentro do celular”, também ouvi, uns 20 anos atrás, quando as gravadoras começaram a “embarcar” álbuns nos celulares e um trocinho chamado iPod reinava entre a garotada (na era pré-Spotify e similares).
Eu poderia escrever um texto inteiro só falando da “volta dos que não foram”, mas quero ficar em um: o livro de papel. Estamos em 2025, a vida das pessoas é passar o dedo na tela do Instagram e/ou TikTok, YouTube (audiovisual) dá mais acesso que portal de notícia (texto) e ouço com uma frequência indesejável a infame frase “as pessoas não leem mais”. Então, como explicar o aumento na venda de livros no país?
No site do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL), leio que somente no primeiro trimestre de 2025 houve um aumento de 15,84% em volume de vendas e um crescimento de 12,92% em faturamento. De acordo com uma pesquisa da Nielsen Book, encomendada pela SNEL, o setor livreiro atingiu a marca de 3,93 milhões de livros vendidos, acumulando uma receita de R$ 201,47 milhões, contra 3,39 milhões em volume e R$ 178,43 milhões em faturamento no mesmo período do ano anterior.
Esse pensamento ocorreu-me quando vi uma postagem da editora Belas Letras anunciando seus lançamentos para 2026: tem biografias do R.E.M. e do Wings (a outra banda de Paul McCartney), uma autobiografia de Brian Epstein (lendário empresário dos Beatles) e um “curso” chamado O Legado, que analisa, com lupa, a obra discográfica de McCartney pós-Beatles (o Volume 1, que cobre as músicas lançadas de 1969 a 1973, ao longo de 864 páginas, está prometido para 10 de novembro pela bagatela de R$ 270), entre outros títulos bastante apetitosos para fãs de música como eu.
A Belas Letras nasceu em 2008, na serra gaúcha, e investiu em livros de cinema e música (tem muita coisa sobre os Beatles no catálogo), com edições “populares” (modo de dizer, afinal passam de três dígitos os valores dos livros básicos) até combos de luxo de fazer salivar a Rafa Kalimann (aquela que acabou de gastar R$ 10 mil em livros só para decorar a sala), que saem por coisa de R$ 700.
Fico feliz que o mercado editorial brasileiro, enfim, tenha acordado para livros sobre música pop, desses que contam histórias, bastidores e análises. Ainda é um segmento de nicho, claro, mas hoje há várias editoras fazendo isso, então, quando você visita uma boa livraria ou dá uma passeada virtual pela Amazon, o volume surpreende.
Há muita coisa estrangeira, traduzida para o português, com foco em artistas de grande alcance, mas vez ou outra surge um título focado na nossa música para além da biografia de determinado artista. É o caso, para citar um bom exemplo, da “biografia do ouvido brasileiro”, livro do colega jornalista Hugo Sukman sobre a gravadora Som Livre.
Fundada também por uma jornalista, a Chris Fuscaldo, o selo Garota FM tem olhado muito para a MPB, com títulos como A Todo Vapor - O Tropicalismo Segundo Gal Costa; It’s a Long Way – O Exílio em Caetano Veloso e De Tudo Se Faz Canção – 50 Anos do Clube da Esquina, que trouxe os organizadores Chris Fuscaldo e Márcio Borges para lançar o livro em João Pessoa, em março de 2023.
É do selo, também, a imprescindível antologia 1979 – O Ano que Ressignificou a MPB, da qual eu participo com um texto sobre o LP Geraldo Vandré do próprio Vandré. Organizado pelo jornalista carioca Célio Albuquerque, o portentoso volume traz textos sobre 100 LPs lançados em 1979, escritos por 100 especialistas.
O novo volume da série está com campanha de financiamento coletivo aberta (boa saída para as pequenas editoras viabilizarem suas tiragens). 1985 – O Ano que Repaginou a Música Brasileira conta, novamente, com Célio Albuquerque na organização de 85 discos lançados em 1985, de diversos gêneros — do rock, muito em voga na época, ao forró — e partes do Brasil. Coube a mim discorrer sobre o LP Fogo na Mistura, de Elba Ramalho, única representante da Paraíba na ótima seleção de Albuquerque.
E que mais e mais livros sobre a nossa música sejam lançados no mercado, em especial a paraibana, riquíssima em sons e histórias, como a Parahyba FM tem atestado por meio do valioso programa História do Disco, toda sexta-feira, às 18h, na 103.9.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de agosto de 2025.