por André Cananéa*
Listas… ah, as listas! Todo mês de dezembro, pululam as relações dos melhores do ano: discos, filmes, peças de teatro, livros, e por aí vai. Duas ganharam destaque nesta virada de 2022 para 2023: a tradicional relação de filmes da prestigiada Sight and Sound, atualizada a cada 10 anos, e que rendeu bastante debate entre cinéfilos, e da revista de música Rolling Stone, que elegeu os 200 melhores cantores da história, gerando polêmica ao elencar Mariah Carey numa honrosa 5ª posição, atrás apenas de Aretha Franklin (1º lugar), Whitney Houston (2º), Sam Cooke (3º) e Billie Holiday (4º). Mas lista é isso mesmo, não está aí para ser definitiva, e, sim, provocar o debate.
No último dia útil de 2022, recebi o livro Os 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos, obra que apoiei quando estava em campanha de financiamento coletivo. A publicação é capitaneada por um podcast excelente, Discoteca Básica, um documentário em áudio sobre discos importantes da música mundial, comandado pelo jornalista Ricardo Alexandre, autor de livros como Dias de Luta: O rock e o Brasil dos anos 80.
A obra, como fica claro em seu título, é uma seleção de discos lançados por artistas brasileiros, feita a partir da opinião de 162 especialistas entre músicos, críticos de música, jornalistas, colecionadores de discos e até tuiteiros, dos mais variados gostos e idades, uma miscelânea que produziu um resultado deveras contestatório ao que se propõe.
Consta que o 1º LP nacional – tal como viriam ser conhecidos os discos com média de 12 faixas que vigora até hoje, na era do streaming – foi lançado em dezembro de 1951. Leio na apresentação da obra que a votação ocorreu no segundo semestre de 2021, logo, os votantes tinham em mãos 70 anos de discos para escolher.
Fiz uma conta hipotética: se o Brasil lançou 10 discos autorais por mês (e talvez eu esteja chutando baixo) ao longo 840 meses, seriam 8.400 discos postos a avaliação, dos quais seriam destacados 500 e excluídos 7.900 títulos nessa conta imaginária. Portanto, listas são bem excludentes.
Uma olhada rápida no livro e vejo muito rock, MPB tropicalista (só Caetano ocupa 14 posições) e bastante álbum lançado dos anos 1970 para cá. Nesse caldeirão, há pouco samba, choro e forró, gêneros que fizeram muito sucesso na primeira metade do século 20. Para se ter uma ideia, dos 500 discos selecionados, apenas dois são de Luiz Gonzaga. Já o grupo de rock pesado Sepultura (que canta em inglês e alcançou larga projeção internacional) comparece com nada menos que cinco!
Em seu texto de apresentação, Ricardo Alexandre, possivelmente prevendo polêmicas, esclarece que não se trata de ranquear os melhores discos, mas os “maiores”. “E tamanho, no caso, diz respeito à grandeza da votação em si, nada mais nem menos”, escreveu.
Como Ricardo, eu também acredito que as listas são resultado de um momento, fruto de um grupo que talvez nem se conheça pessoalmente. Ele até menciona que se as séries sobre Tim Maia e Nara Leão (ambas da Globo) já tivessem sido lançadas à época da votação, o resultado seria diferente. Eu acrescento que se mais nordestinos tivessem sido consultados, o resultado também seria outro. Vi nomes tarimbados como Nelson Motta e Pedro Bial, muitos jornalistas do eixo Rio-São Paulo, mas não consegui identificar nenhum nome relevante do Nordeste, como o do crítico e escritor José Teles, por exemplo.
“O que eu quero dizer é que o universo da música é vivo, mutante e altamente permeável ao mundo a sua volta e isso é uma das coisas mais lindas e entusiasmantes a respeito dele”, tenta justificar o idealizador do projeto, sem entrar no mérito da distribuição dos convites.
Encabeçada pelos discos Clube da Esquina e Acabou Chorare, ambos lançados em 1972, as 10 primeiras colocações ficaram para a sacrossanta fina flor da MPB, a maioria lançada na década de 1970, com uma exceção curiosa: a 9ª colocação ficou com um CD lançado em novembro de 1997, Sobrevivendo no Inferno, do grupo de rap Racionais MCs.
Álbuns lançados por artistas paraibanos ocupam um bom lugar na lista. Segundo mapeamento apresentado pelo próprio livro, 2,16% dos discos são de artistas paraibanos (e nessa conta nem entra o Paralamas do Sucesso, liderado por Herbert Vianna). É mais do que a presença do Ceará (1,3%), Alagoas (1,72%) e Maranhão (0,43%). Não há discos de artistas do Rio Grande do Norte, Piauí e Sergipe. Pernambuco comparece com 4,74% e a Bahia, 16%.
O homônimo disco de estreia de Zé Ramalho é o primeiro a aparecer, na 70ª posição. Ele também comparece com Paêbiru (140ª) e A Peleja do Diabo Contra o Dono do Céu (177ª). Jackson do Pandeiro tem três discos na lista e Cassiano, dois. Aos Vivos, de Chico César, está na 229ª posição. Com Elba Ramalho esnobada, Cátia de França é a única mulher da Paraíba presente (20 Palavras ao Redor do Sol, na 217ª colocação). Sivuca só foi lembrado como arranjador do disco Brasil Mestiço, de Clara Nunes, e Geraldo Vandré também foi esquecido.
Claro que, apesar dos equívocos, o livro Os 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos é uma obra caprichada, com seus textos impecáveis, suas informações necessárias e seu acabamento primoroso. Um mapa indispensável para ser lido e consultado a todo instante.
*Coluna públicada originalmente na edição impressa de 10 de janeiro de 2023.