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'McCartney 3, 2, 1': deleite para fãs e músicos

publicado: 12/10/2021 08h00, última modificação: 12/10/2021 08h47
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por André Cananéa*

O Star+, mais um serviço de streaming para concorrer com Netflix, HBO Max etc., começou a operar recentemente no Brasil trazendo um bom catálogo de filmes mas, sobretudo, um biscoito fino para fãs dos Beatles: McCartney 3, 2, 1, produção lançada este ano e que nada mais é do que um ótimo papo entre dois músicos que se mostram, acima de tudo, grandes fãs de música.

De um lado está, claro, o ex-beatle Paul McCartney, cantor, compositor e multiinstrumentista, um dos nomes mais importantes do século 20 (entrando pelo século 21) na seara do entretenimento. Do outro, um barbudão que mais parece um Papai Noel roqueiro, Rick Rubin, um dos produtores mais importantes dos últimos 30 anos (fase em que gravou discos importantes de hip-hop e rock pesado, passando por álbuns de Mick Jagger, Johnny Cash e Shakira).

O papo dura três horas, dividido em seis episódios, todos já disponíveis no Star+. E por mais que o leitor ache que o assunto “Beatles” está esgotado, este McCartney 3, 2, 1 mostra que não. Talvez seja o aspecto “de boas” da produção: Rick está tão à vontade que veste camiseta, bermuda e está descalço enquanto conversa com Paul em torno de uma mesa profissional de gravação e um piano. Conduzindo perguntas sobre o universo Beatles e tecendo comentários pontuais, Rubin se mostra um ótimo interlocutor para um entrevistado disposto, engraçado e, sobretudo, apaixonado pelo que fez em aproximadamente 60 anos de carreira.

Enquanto masca chiclete, Paul lembra histórias divertidas de bastidor e entrega alguns truques e inspirações para canções famosas, como ‘Michelle’, ‘All my loving’, ‘Lucy in the sky with diamonds’, e ainda alguma coisa da sua fase Wings/solo, vide ‘Band on the run’ e ‘Live and let die’. Na mesa, o produtor isola os instrumentos - como o baixo de Paul em muitas dessas gravações - e provoca o ex-beatle a contar alguns segredos de composição, arranjo e até das harmonizações vocais que os Beatles usaram bastante.

É simples assim. Um bate-papo, longe da formalidade de uma entrevista em plano fechado, em que o entrevistado, sentado numa cadeira, é inquirido a responder uma pauta por vezes óbvia e maçante. Aqui, Paul e Rick parecem velhos amigos numa sala falando sobre a influência de música clássica na sonoridade dos Beatles (notadamente, Bach), Alice no País das Maravilhas, meditação e, claro, relembrando um passado criativo e glorioso.

Muito me cativou ver Paul McCartney dançando e curtindo enquanto revisita as canções que fez com John, George e Ringo. Afinal, um dos méritos do programa é mostrar um compositor enamorado por sua obra, disposto a ouvir elogios, críticas e observações de alguém que não é George Martin, mas seguiu a mesma carreira que o lendário produtor dos Beatles.

Por exemplo: enquanto conversam sobre ‘Waterfalls’ (do álbum McCartney II, lançado em 1980), e Rick Rubin diz que acha a melodia ainda muito moderna, Paul confidencia que se arrepende de ter deixado as cordas muito “acanhadas”, ao que o produtor discorda: “Mas acho que é isso que a torna moderna”, comentário que o autor da canção rebate, de pronto: “Posso ter arrependimentos, mas eles não precisam estar certos”.

As três horas resumem bem a carreira dos Beatles a partir da perspectiva de Paul. Há pouca coisa da fase pós-grupo, mas é farto na relação entre os quarteto de Liverpool (o baixista fala com muito carinho dos três, evitando qualquer atrito, além de, a todo instante, destacar o papel de George Martin nas gravações). Há muito papo sobre acordes, notas e arranjos musicais, mas também memórias dos tempos iniciais da banda. Há os encontros dos ingleses com Little Richards e Roy Orbison e há um Paul McCartney tiete, puxando a sardinha do Kinks e lembrando shows que marcaram sua vida (como de Bob Dylan, quando este procurava equilibrar folk acústico com rock elétrico). 

E também há histórias impagáveis, como quando o quarteto foi assistir a um show de Jimi Hendrix, que naquela noite abriu o repertório com uma versão incendiária de ‘Sgt. Peppers’ e acabou desafinando tanto a guitarra que teve que pedir, na frente do público, a ajuda de um jovem Eric Clapton para afiná-la. 

McCartney 3, 2, 1 é obrigatório para fãs, mas também para músicos. Ao dissecar as partes que compõem a gravação dos Beatles, o documentário é um belo “curso” para quem aspira entrar em um estúdio e ter seu disco gravado. E, quem sabe, integrar o Olimpo do qual Paul McCartney é um deus absoluto.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 12 de outubro de 2021.