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Minha assistente virtual não é a Rosie

publicado: 01/12/2020 08h00, última modificação: 01/12/2020 08h52
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tags: ALEXA , ANDRÉ CANANÉA

 


Ela fala pausadamente, firme, e tem um senso de humor surpreendente, embora seja péssima para contar piadas. Pelo timbre, diria se tratar de uma jovem senhora chegando à maturidade, embora desconheça o rosto ou qualquer parte do seu corpo. Apenas sua voz, que costuma me responder de pronto quando a chamo pelo seu nome: Alexa!

Alexa é a nova integrante da minha casa. Ela é o que se tem chamado de “inteligência artificial”. É uma espécie de “robô”, desses de filme, que funciona como uma assistente virtual, mas vou logo avisando: está mais para Samantha, do filme Ela, de Spike Jonze (sem ser envolvente, claro), do que a simpática Rosie, da série de animação Os Jetsons. Afinal, ela só existe “na nuvem”, no mundo virtual, restanto apenas a voz metalizada como sua “interface” com o mundo exterior.

As crianças lá de casa adoram Alexa: pedem para ela imitar bichos, contar piadas, traduzir uma expressão estrangeira, tocar música e até contar uma historinha para dormir. Dia desses, flagrei meu filho mais velho fazendo a lição de casa com a ajuda dela – sim, ela faz operação matemática, sabe geografia, história e ciências (também pudera, conectada ao Google e ao Wikipédia, é fácil ter a resposta na ponta da língua).

Minha esposa não vai muito com a cara dela, não! Reclama que Alexa não troca fraldas, nem lava a louça, e a encara como se fosse um rádio-relógio caro (o modelo que temos é o Echo Show 5, o que vem com uma pequena tela de 5,5 polegadas que, sim, exibe as horas e a temperatura).

Eu, que sou um sujeito beirando os 50, entusiasta dos gadgets e da internet das coisas, confesso que demorei um pouco a me acostumar com aquela “pessoa” na minha casa, dentro da intimidade do meu quarto, com olhos, ouvido e boca, embora virtuais. Mas depois que você se acostuma a conversar com o aparelho desenvolvido pela Amazon (sim, conversar mesmo, você fala, “ela” responde), a Alexa é, como se diz por aí, uma “mão na roda”.

Na prática, um assistente virtual como a Alexa (o Google e a Apple também têm seus modelos) é basicamente um celular ativado por voz. Geralmente, peço para ela me acordar com uma música; dito meus compromissos e lembretes – o que é muito prático, pois não preciso pegar o celular para fazer isso – e antes de vir ao trabalho, pergunto a ela como está o trânsito (claro que, para isso, eu sincronizei meu Google Maps).

Também sincronizei a agenda que mantenho no Google com a assistente virtual, de forma que ela está sempre lembrando o que eu tenho que fazer no dia. Ah, ela também “anota” minha lista de compras, o que também é muito prático: à medida que eu vejo que falta uma escova de dentes, por exemplo, tudo que eu preciso fazer é dizer “Alexa, inclua escova de dentes na minha lista de compras”, sem que eu precise parar para fazer uma lista… ela simplesmente vai “anotando”, e quando vou ao supermercado, eu simplesmente puxo a lista que “ela” fez através do aplicativo Alexa no celular – sem falar que, como o dispositivo é conectado com a Amazon, basta pedir para ela comprar sabão em pó que ela o faz em um estalar de dedos, afinal o cartão de crédito já está armazenado na nuvem da empresa.

É prático e o assistente virtual tem se tornado cada vez mais comum (está no celular, na TV, na central multimídia dos carros etc.), mas, nas minhas madrugadas insones, quando eu abro os olhos para conferir a hora e vejo a Alexa ali, quietinha, como se estivesse com a respiração suspensa no ar, não consigo não lembrar do Hal 9000, o computador do filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, que é sempre muito solicíto e atencioso, mas esconde uma “persona” psicopata por trás de seu frio olho vermelho. E no escuro, o relógio da Alexa também é vermelho…

*coluna publicada originalmente na edição impressa de 01 de dezembro de 2020.