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Mistérios e quebra-cabeças na tela

publicado: 17/01/2023 00h00, última modificação: 17/01/2023 12h47
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Craig repete o papel em ‘Glass Onion’, filme derivado de ‘Entre Facas e Segredos’ - Foto: Foto: Netflix/Divulgação

 

por André Cananéa*

De repente, vejo dois subgêneros da literatura policial invadirem os catálogos de filmes e séries em streaming: os chamados “crimes de quarto fechado” e o que os povos de língua inglesa chamam de whodunit, algo como “quem fez isto”, ou seja, aquele tipo de trama em que um assassinato é cometido e todos ao redor da vítima são suspeitos, até que um detetive astuto desvende o mistério – narrativa que fez a fama, por exemplo, da escritora Agatha Christie.

O carro-chefe da temporada do whodunit é Glass Onion: Um Mistério Knives Out, filme derivado do sucesso Entre Facas e Segredos, lançado três anos antes (ambos estão disponíveis no Netflix). Se no primeiro, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig, famoso pelo papel de 007) investiga a morte de um patriarca em meio a uma família excêntrica, em Glass Onion, Blanc acaba indo parar na ilha particular de um milionário (vivido por Edward Norton), que convoca os melhores amigos para desvendar o assassinato do próprio anfitrião.

Mas calma lá!

Essa ideia é desvendada em segundos pelo esperto detetive Blanc (que mistura o jeitão de Hercule Poirot com a sagacidade de Sherlock Holmes), afinal, Glass Onion (“cebola de vidro”, em tradução literal), como indica o título (extraído da música homônima dos Beatles), tem muitas camadas, e a principal delas é ser uma sátira à ambição de empresários da vida real como Elon Musk. Do ponto de vista do mistério, fica aquém do primeiro, mas visto pelo prisma da crítica, tem seus méritos.

Além dos dois filmes escritos e dirigidos por Rian Johnson (ele é responsável por Star Wars: Os Últimos Jedi, o melhor da franquia recente), o catálogo da Netflix apresentou outra novidade na virada do ano, o italiano 7 Mulheres e um Mistério, refilmagem de 8 Mulheres, de François Ozon.

Isso sem falar nos dois filmes Enola Homes, o segundo disponível desde dezembro, mantendo a pegada “Scooby Doo” de diversão e mistério ao colocar a irmã (Millie Bobby Brown) do famoso Sherlock Holmes (Henry Cavill) no encalço de uma garota desaparecida na Londres do século 19. Ambos são originais da Netflix e garantem uma ótima sessão em uma tarde de sábado.

Mas não é só a empresa quem investe nesse tipo de filme. O Star+ (que pertencente ao conglomerado Disney) também incluiu dois filmes whodunit em seu catálogo: Amsterdam e Veja Como Eles Correm, ambos de 2022. Dirigido por David O. Russell (três vezes indicado ao Oscar), Amsterdam é ambientado nos anos 1930, quando três amigos (vividos pelos atores Christian Bale, Margot Robbie e John David Washington) são acusados de um crime em meio a uma conspiração global. Achei menos interessante do que se propõe…

Mais simples e dinâmico, com uma verve cômica que lembra bastante um clássico do gênero, Assassinato Por Morte, de 1976, Veja Como Eles Correm também se passa em Londres, só que nos anos 1950, quando surge um crime real em meio a um espetáculo teatral que narra o mistério por trás de um assassinato, e é inspirado em um texto de Agatha Christie (aqui, ela é também personagem). Primeiro longa-metragem de Tom George traz, no elenco, nomes como Sam Rockwell, Saoirse Ronan e Adrien Brody.

Lembrando que é no Star+ que estão as mais recentes adaptações de Agatha Christie para o cinema, Assassinato no Expresso do Oriente e Morte no Nilo, ambas dirigidas pelo tarimbado Kenneth Branagh.

De acordo com Braulio Tavares, que organizou a antologia Crimes Impossíveis: Crimes de Quarto Fechado, lançada em junho de 2021, os “crimes de quarto fechado” (os locked room mystery) “talvez seja o tipo mais rebuscado de puzzle ou quebra-cabeça dedutivo da literatura policial”, como apresenta a obra, que reúne textos colhidos entre 1838 e 1933. Portanto, o subgênero não é algo novo.

Mas no cinema, ganhou impulso em 2004 com o início da franquia Jogos Mortais, certamente uma inspiração para a série japonesa Alice in Borderland, cuja segunda temporada também desembarcou em dezembro na Netflix. A diferença entre série e filme é que na produção nipônica, o “quarto fechado” é um mundo pós-apocalíptico em que “zerar” o jogo é garantia de sobrevivência.

Aclamada pelos fãs e baseado em uma série em quadrinhos homônima, Alice in Borderland tem bom ritmo, e além de se espelhar em Jogos Mortais, lembra produções de fim de mundo como The Walking Dead e consegue prender bem a atenção do espectador.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 3 de janeiro de 2023.