por André Cananéa*
Grandes diretores têm sua própria assinatura na tela, um estilo que é facilmente reconhecido pelo espectador. David Lynch, Tim Burton e Wes Anderson são três nomes, cujos filmes provocam, de cara, essa identificação. Norte-americano prestes a fazer 39 anos no dia 7 de julho, o cineasta Robert Eggers também já mostrou que também tem uma assinatura para chamar de sua.
Em sua grande estreia como diretor no filme A Bruxa (2015), os elementos que iriam pontuar sua carreira (pelo menos até aqui) já estavam estabelecidos: a fotografia soturna e quase documental, o clima claustrofóbico, o tom angustiante (muitas vezes evocado pela trilha sonora), personagens viscerais e sequências impactantes.
Essa fórmula, que perpassa o drama O Farol (2019), é usada novamente, e com a mesma maestria, em seu terceiro longa-metragem, O Homem do Norte (2022), atualmente em cartaz nos cinemas, inclusive em João Pessoa e Campina Grande.
O Homem do Norte pode não ter o impacto que A Bruxa teve – se tornou um dos pilares do chamado pós-terror – mas é um tremendo filme sobre vingança a partir de uma história com background Viking, tema que anda em alta nos meios audiovisuais.
Mas Eggers procura um outro caminho. Ao buscar na lenda escandinava de Amleth o mote para a trama do seu filme, O Homem do Norte acaba encontrando semelhanças com Hamlet, afinal, a obra de Shakespeare também teria se inspirado na história de um jovem que testemunha seu pai ser assassinado pelo irmão deste (portanto, seu tio), tomar o reino que seria seu por direito e, por consequência, forçá-lo ao banimento, restando ao herdeiro jurar que retornará um dia para vingar a morte do pai e retomar suas terras.
A trama, que chegou a inspirar até a animação O Rei Leão, da Disney, nas mãos de Eggers ganha um drama de ação repleto de violência, erotismo e um certo toque de misticismo, com direito a sacrifício humano e feiticeira sinistra (vivida pela cantora islandesa Björk).
A história se passa no século 9, quando o jovem Amleth (Oscar Novak) e o pai, o rei Aurvandil (Ethan Hawke), são surpreendidos em uma emboscada arquitetada por Fjölnir (Claes Bang), irmão bastardo do rei. A criança, então, testemunha o pai ser decapitado pelo tio e escapa, ele próprio, de ter um destino igual. Mas antes de se esconder das vistas do assassino, ainda o vê capturar sua mãe, a rainha Gudrún (Nicole Kidman).
Anos depois, Amleth, já musculoso e ainda mais sedento por vingança (agora encarnado pelo ator Alexander Skarsgård, que já havia contracenado com Kidman no seriado Big Little Lies), reencontra o tio, sem o reino, mas como uma espécie de senhor feudal na Islândia.
É quando ele, se fazendo passar por escravo, executa seu plano de vingança, contando com a ajuda de Olga (Anya Taylor-Joy, lançada ao estrelato justamente através de A Bruxa), com quem também vive um romance. E apesar das fortes personagens femininas, o filme não doura a pílula e mantém a característica macho-hétero-top das lendas de época, o que teria feito o filme cair no gosto de conservadores de direita, para desgosto do diretor, que, em entrevistas, deixou claro seu constrangimento.
Como eu disse no começo do texto, o filme tem uma assinatura própria, que empolga não só nas bárbaras cenas de luta, como na condução da história, que acaba por se inspirar no próprio Hamlet, como também em MacBeth e outras obras de Shakespeare com realezas e traições, assim como guarda semelhança com Conan, o Bárbaro, estrelado por Arnold Schwarzenegger.
Enfim, Robert Eggers corresponde às expectativas e entrega uma experiência de imersão ao mundo brutal da mitologia nórdica, com muito sangue, algum suor e certas lágrimas, de maneira mais convincente que muitos de seus similares, mais estilizados que propriamente viscerais.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 24 de maio de 2022