Uma viagem pelo lado b da música brasileira dos anos 1970 e 1980, aquela que não está nos anais da MPB, não ganhou a perenidade de uma bossa nova, ou de um tropicalismo, e é ignorada por críticos e especialistas, mas que foi estouro de vendas há 30, 40 anos e fez muito sucesso em todos os rincões do país. Esta é a série História Secreta do Pop Brasileiro, dirigida pelo jornalista André Barcinski para o canal por assinatura Music Box Brasil e disponível em plataformas de streaming, como Amazon Prime, Now, Vivo e Looke.
Os chamados “falsos gringos” da época, como Morris Albert, Paul Denver e Mark Davis (ninguém menos que Fábio Jr, no começo da carreira), todos brasileiros, mas “mascarados” de artistas internacionais que produziram hits como "Feelings", "She's my girl", "Rain and memories", "Summer holiday" e "Don't let me cry"; os clones nacionais de renomados artistas internacionais, como Genghis Khan, Dee D. Jackson e Trini Lopez e os músicos, cantores e cantoras de estúdio que gravaram alguns dos discos mais populares da época, mas sequer tiveram seus nomes incluídos nas fichas técnicas dos LPs, são alguns dos temas abordados entre os oito episódios da minissérie com muita nostalgia, revelações surpreendentes, um certo humor propositadamente kitsch e alguma emoção, provocada por lembranças de um tempo que não volta mais.
A série de TV tem como base o livro Pavões Misteriosos - 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil, lançado pelo próprio Barcinski em 2014. Para o seriado, o jornalista foi atrás dos artistas da época, mas também de colecionadores, radialistas e estudiosos da música brasileira para mesclar histórias de bastidores com análise revisionista da importância desses protagonistas para a música e para o comportamento jovem brasileiro de então.
Com uma narração propositadamente cafona de Arrigo Barnabé, a série aborda a contribuição, por exemplo, de um grupo como Os Carbonos, a quase famosa banda que gravou sucessos como “Fuscão preto”, “É o amor”, a citada “Feelings” e pérolas como “O boi vai atrás” (quem não lembra de João da Praia?) - difícil encontrar um disco romântico/popular da época, de sertanejo a forró, que não tenha sido gravado pelos irmãos Raul, Beto e Mário Carezzato. Eles eram músicos de estúdio contratados pelas gravadoras para executarem os arranjos dessas e de outras cerca de 50 mil músicas ao longo de 30 anos de carreira (incluindo a gravação do LP Eu Sou Assim, que Genival Lacerda lançou em 1969 pela Chantecler, citado brevemente no episódio).
Também estão lá as vocalistas que fizeram coro para inúmeros sucessos da chamada MPB. Mas afinal, quem eram esses artistas “invisíveis” e como foram parar em discos de Gilberto Gil, Rita Lee, Raul Seixas e Sidney Magal? É a pergunta que move o episódio 5.
As bandas de baile da época (sobretudo de São Paulo) ganharam um episódio exclusivo. Músicos como Paulo Massadas, hoje radicado em Los Angeles (EUA), falam da escola que eram as bandas que atuavam por três, quatro, cinco horas nos bailes jovens dos anos 1970. Da mesma forma, a música infantil, criada na virada dos anos 1970 para 1980, é dissecada em um episódio só dela: os mentores de grupos, como o compositor e arranjador Edgard Poças (pai da cantora Céu), esmiúçam os repertórios que fizeram a fama do Balão Mágico e Trem da Alegria e contam como foram trabalhadas esses grupos no rádio e na televisão.
O oitavo e último episódio é um dos melhores da série: aborda a carreira do DJ Mister Sam, um argentino que veio ao Brasil e se valeu - e muito - dos programas de auditório para criar artistas como Gretchen e Lady Lu, aspirantes à cantora que caíram nas graças do produtor ainda adolescentes e se renderam (ou foram obrigadas, melhor dizendo) às fórmulas e hits que ele criou, como “Freak le boom boom” e “Loucura, loucura”, respectivamente. As próprias Gretchen e Lady Lu fazem revelações surpreendentes.
Além de muito papo e informação, os episódios - com pouco mais de 20 minutos, cada - são recheados com muita música, performances exclusivas dos atores de outrora relembrando os sucessos de época. Um passeio nostálgico que presta justiça a esses heróis invisíveis, e esquecidos, da história da música popular brasileira.
*publicado originalmente na edição impressa de 07 de julho de 2020.