É curioso o movimento que a mídia física faz no mercado, sobretudo, brasileiro. Eu sou um colecionador de CDs, DVDs e blu-rays, como o(a) leitor(a) bem sabe. Essas mídias nunca morreram, de fato, assim como o LP, que sumiu do radar de uns, mas não de outros, e agora está de volta com o apelo nostálgico e cool de manusear aquele discão, colocá-lo na vitrola e puxar o braço com a agulha para a faixa desejada.
Em 2021, o mercado nacional registrou uma alta de 139% na venda de CDs, informou a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, cujos dados mostram o CD à frente de todas as outras mídias físicas, até do LP. Era o ano da pandemia de Covid-19. Pessoas em casa. Consumo em alta, dos que podiam comprar.
Em março deste ano, o G1 fez uma análise do mercado de discos à luz dos dados mais atualizados disponibilizados pela Pró-Música Brasil, que representa as principais gravadoras e produtoras fonográficas do país. Segundo os dados, o mercado nacional faturou R$ 6,7 milhões com a venda de CDs, enquanto o LP totalizou R$ 4,7 milhões.
Resultado: no ano passado, o CD foi mais lucrativo do que o LP, mas não se fala muito nisso, né?! A impressão que dá é que só o LP está em alta, quando os números dizem que não é tão “em alta” assim e, ao contrário do vinil, cujos preços invariavelmente ultrapassam os três dígitos, os CDs se mantém como opção barata, com ótimos títulos (muitas vezes novos) custando entre R$ 10 e R$ 80. Em tempo: o streaming, onde nos acostumamos a ouvir canções através do Spotify, Deezer, YouTube Music etc., respondeu, em 2022, por 86% do mercado fonográfico nacional.
Portanto, é bom lembrar: diferente da era pré-streaming, na qual para ouvirmos nossos ídolos quando e onde quiséssemos, precisávamos ter a mão um LP, CD ou fita cassete, hoje, ter um álbum em sua versão física é puro fetichismo, coisa de colecionador mesmo. Mercado de nicho.
Quer ver? Recentemente, uma matéria do jornal norte-americano The Washington Post revela que os jovens dos EUA estão comprando CDs, muitos pela primeira vez. O curioso é que o consumo pelo pequeno disco prateado se dá por um público que sequer tem onde tocá-los. Chamou atenção da reportagem – replicada em vários portais brasileiros – uma fã de Taylor Swift que tem todos os CDs da cantora, mas sem ter onde tocá-los, os ouve nas plataformas digitais.
Não vou entrar na teoria da objetificação do consumo, pois não há espaço para enveredar por esse caminho neste espaço (sugiro a leitura de A Vingança dos Analógicos: Por Que os Objetos de Verdade Ainda são Importantes, de David Sax, editado no Brasil pela Anfiteatro), mas fico feliz que o mercado se mantenha minimamente aquecido, apesar de ter lacunas abissais, como a ausência dos últimos álbuns de Caetano Veloso e Marisa Monte em CD (por outro lado, Meu Coco e Portas têm edições importadas no formato).
Sábado passado, fiz uma visita à loja Tigresa Discos, localizada em Manaíra, em João Pessoa. Prestes a abrir uma segunda unidade no Centro da cidade, a charmosa loja da arquiteta Alessandra Leão tem como carro-chefe o LP, mas dispõe de CDs e alguns poucos DVDs. Ela me disse que muitos clientes ainda possuem toca-CD no carro e gostam de comprar coletâneas de seus artistas favoritos e trilhas sonoras de novelas.
Adoro lojas de discos. Tatear os discos, apreciar as capas, conversar com vendedores e colecionadores. Recentemente, vi um filme norueguês chamado A Pior Pessoa do Mundo, do diretor Joachim Trier (disponível no Prime Video). Em determinado momento, um dos personagens – um quadrinista beirando os 50 anos – desabafa: “O mundo que eu conhecia desapareceu”, afirma o homem, que cresceu em um mundo sem internet ou celular, frequentando lojas de discos e quadrinhos.
Ele continua: “Eu cresci em uma época em que a cultura era passada através de objetos. Objetos interessantes, porque nós convivíamos com eles. Era possível pegá-los e segurá-los com as mãos, compará-los. Passei a vida fazendo isso, colecionando objetos, revistas em quadrinhos, livros... continuei a fazer isso, mesmo quando não surgiam emoções impactantes, como as que sentia nos meus 20 e poucos anos”.
Felizmente, João Pessoa ainda tem esses “ninhos” de afetos, com os tais “objetos” repletos de significados, possível de manuseá-los, criar uma conexão com eles. Em se tratando de lojas de discos, além da Tigresa, costumo frequentar a Música Urbana e a Óliver Discos (ambas de pé há mais de 20 anos) e ainda há a novata Estilhaços Discos (que agora investe na produção própria de LPs) e o velho Big Boy, que mantém seu estande em Cruz das Armas. Todas de portas abertas, oferecendo experiências táteis para todas as idades.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 12 de setembro de 2023.