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O céu de Cariry

publicado: 28/05/2024 09h54, última modificação: 28/05/2024 09h54
Mais Pesado E o Ceu - 01.jpg

Ana Luiza Rios e Matheus Nachtergaele são os atores centrais de ‘Mais Pesado É o Céu’ | Foto: Divulgação/Sereia Filmes

por André Cananéa*

O Festival Internacional de Cinema de João Pessoa, o Festincine JP, já está na rua. Começou domingo passado e segue até o próximo sábado com exibição de filmes (no Centerplex Mag Shopping) e valiosas rodadas de negociações e palestras, programação que ocorre na Usina Cultural Energisa, tudo isso com acesso gratuito ao público, numa promoção da Prefeitura de João Pessoa e aval de nomes como o do diretor Jayme Monjardim (leia mais na página …..).

E como todo bom festival que se preza, o Festincine JP abriu, na noite do último domingo, com um filmaço: Mais Pesado é o Céu, vencedor do Prêmio de Melhor Longa de Ficção do 15º Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (FESTin) e de quatro estatuetas no Festival de Gramado de 2023, incluindo Melhor Direção, Fotografia e Montagem. O novo longa do cineasta cearense Petrus Cariry estreia comercialmente dia 8 de agosto, mas teve essa pré-estreia - com duas sessões lotadas - no domingo, e a presença do protagonista Matheus Nachtergaele.

Antes do filme, Nachtergaele foi homenageado pelo festival, revelou que parte de O Auto da Compadecida 2, que estreia em dezembro, foi rodado em Cabaceiras (PB), que se tornou cidadão taperoense e, claro, falou sobre o longa que abriu o 2º Festincine JP, torcendo para que o boca-a-boca faça com que a produção leve um bom público aos cinemas.

Segundo o ator, os filmes de Petrus Cariry precisam ser vistos na tela grande, “belos espaços para a gente pensar sobre a vida, durante os quadros que ele propõe”, afirmou. “Ele (Petrus) nunca te sufoca com uma narrativa aristotélica que tem que ser contada e que tem que te segurar na trama. Portanto, você consegue pensar sobre a vida, sobre si mesmo e sobre o Brasil enquanto vê os filmes dele”.

O longa-metragem foi rodado durante a pandemia de Covid-19, “naquele esquema bem radical de elenco mínimo, equipe mínima, quase tudo feito em espaços abertos”, pontuou Matheus Nachtergaele. “Quando a gente saiu da pandemia para fazer esse filme, era muito estranho. Era como um sonho: a gente poder estar de novo na rua com uma equipe de cinema, num país que tinha se negado a si próprio, mas com desejo de novas estradas. Vocês vão ver que o filme fala disso, de uma galera tentando achar um sentido geográfico e interior numas estradas aí do Brasil”.

Situado no interior do Ceará, onde foi rodado, com ótima trilha sonora (trilha incidental pontuando toda atenção, e canções do forró Cavalo de Pau ambientando os personagens na realidade do interior nordestino), Mais Pesado é o Céu é fábula árdua sobre dois estranhos que se conhecem na estrada e acabam por se unir, com o objetivo de sobreviver e, sobretudo, alimentar um bebê que se torna o vértice desse triângulo de luta pela vida e pela dignidade.

Os personagens são Antônio (Nachtergaele) e Teresa (a ótima Ana Luiza Rios, agraciada com o Prêmio Especial do Júri em Gramado). Eles se encontram às margens de uma barragem, cuja cheia devastou uma cidade que já deu abrigo a ambos. Ela, com um bebê no colo, deseja tentar a sorte em Fortaleza (CE). Ele, movido pela lembrança de um velho amigo, quer chegar ao Piauí para trabalhar com caranguejos.

As andanças dos dois é a metáfora para os rumos que eles tentam tomar na vida: cansados e com fome, com uma criança que não para de chorar, não conseguem trabalho, abrigo ou comida. Vivendo no limite psicológico e social, fazem o que dá para fazer para comprar, pelo menos, o leite da criança: ela, a prostituição; ele, a mendicância.

Como todo bom road movie, a jornada é repleta de encontros e desencontros: do caminhoneiro que dá carona à Antônio no começo do filme (vivido pelo paraibano Buda Lira) à dona do botequim (personagem de Silvia Buarque) que acolhe o pseudo casal e alimenta a criança, até a atendente do posto de gasolina (a também paraibana Danny Barbosa), onde Teresa compra os mantimentos para o filho, todo mundo procura dar rumo a esses protagonistas que vivem à deriva.

A jornada ainda é assombrada pela notícia de um suposto assassino que está matando mulheres e homens na estrada, uma subtrama que não faz do filme de Petrus Cariry um A Morte Pede Carona, mas apenas um mote para poder amarrar a conclusão do filme - um soco no estômago que toma emprestado uma das cenas mais icônicas do cinema, extraída do clássico 2001 - Uma Odisseia no Espaço.

Afinal, Mais Pesado é o Céu não é um filme de terror, pelo menos não o terror de assassinos seriais da estrada. É o horror de não ter expectativa de vida, de não ter rumo nem perspectiva, de viver abaixo do limite da vida e se submeter ao deplorável para ter o que comer e onde dormir, crítica social contundente e forte, aplacada por pequenas tiradas cômicas.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de maio de 2024.