Lembro de ter lido, ali por volta de abril de 2020, uma notícia no portal da Folha de SP que me deixou intrigado: em plena escalada da pandemia do novo coronavírus, naquele momento em que, assustados, nos trancamos em casa e passamos álcool gel até nas frestas da porta, para manter o vírus bem longe, como se fosse assombração, um dos títulos mais procurados nos serviços de streaming foi Contágio, o hoje profético filme de Steven Soderbergh, lançado em 2011, sobre um vírus que se espalhava rapidamente pelo mundo a partir de um caso na China, com sintomas parecidos com o de uma gripe – na vida real, o ministro da Saúde do Reino Unido revelou, no mês passado, que adotou certas estratégias para vacinação no país baseado em ideias apresentadas no filme.
Nesse quase um ano, tenho visto desembarcar nas plataformas da Internet, um sem-número dos chamados “filmes-catástrofes”, o que me leva a crer que, quanto mais catastrófico é o mundo ao nosso redor, mas utilizamos o cinema como escapismo dessa realidade, passando algumas horas debruçados sobre desgraças alheias de mentirinhas que nos mostram que, por pior que seja a situação, tudo vai acabar bem no final (pelo menos em 99% dos enredos).
Uma rápida olhada aqui no aplicativo do Telecine, e eles vão surgindo aos montes: Fukushima: Ameaça Nuclear (2020); Isolado na Pandemia (2020); os noruegueses Terremoto (2018) e A Onda (2020) e O Impossível (2012), drama comovente, baseado em um fato real ocorrido em meio ao tsunami que assolou a Tailândia em 2004, além de diversos filmes de “epidemia zumbi”, entre eles Madrugada dos Mortos (2004), Guerra Mundial Z (2013), Pequenos Monstros (2019) e o francês A Noite Que Devorou o Mundo (2018).
Desde que o cinema é cinema que as grandes catástrofes estão na tela. Um dos primeiros filmes conhecidos é justamente sobre a ação de resgate dos bombeiros a pessoas que tentam escapar de um prédio em chamas – Fire é de 1903 e conseguiu exprimir a angústia daquelas pessoas em situação de perigo.
Procurando uma resposta para “por que o filme-catástrofe atrai tanto a gente?”, me deparei com inúmeros argumentos, o principal deles avaliando que essa exposição ensina o espectador a lidar com medos antigos, ideia referendada em um artigo do jornal inglês The Guardian, que explica, em minúcias, o que seria a tal da “terapia da exposição”, “na qual uma ameaça inconcebível pode ser vivenciada e sobrevivida”.
Outro dia, vi um excelente documentário, presente no material extra que acompanha o blu-ray de Os Pássaros, de Hitchcock. Nele, cineastas e pesquisadores ensinam que os filmes de monstro refletem os medos da sociedade e que era por isso que o famoso monstro de Frankenstein, que Boris Karloff deu vida através do homônimo filme que a Universal Pictures lançou em 1931, se vestia igual a um operário – afinal, a América ainda encontrava-se atordoada com a grande depressão econômica que afligiu o país na década anterior.
Isso se repete, por exemplo, no Godzilla que o Japão lançou em 1954, quase dez anos após o bombardeio atômico que dizimou Hiroshima e Nagasaki (daí a metáfora de um monstro radioativo que destrói cidades, e que rende até os tempos atuais) e a cada grande crise, o cinema trata de colocar a raça humana à toda prova, seja uma invasão alienígena (Independence Day, 1996), ou uma chuva de meteoros (Armageddon, 1998).
O tema “meteoros caindo na terra”, por sinal, acaba de ganhar mais um título, Destruição Final: O Último Refúgio (presente no catálogo do Amazon Prime), estrelado por Gerard Butler e a brasileira Morena Baccarin, que vi e gostei, por tentar ancorar a trama em fatos reais e dar um final crível à trama. Butler, aliás, está em outro filme do gênero, Tempestade: Planeta em Fúria (2017), inspirado nos efeitos do aquecimento global, tema que rendeu também O Dia Depois de Amanhã (2004).
Eu cresci vendo o mundo se acabar, claro que nas telas, fosse de cinema, ou da TV. Talvez O Destino do Poseidon (1972) tenha sido o primeiro deles. É um marco no cinema-catástrofe, afinal determinou os padrões que seriam seguidos pelo gênero nos anos seguintes, com muitos efeitos, cenários grandiosos e, no enredo, além do salvador do dia, personagens que se sacrificam pelo bem da coletividade.
Nesses quase 50 anos, muita água (e asteroides, vírus, previsões apocalípticas etc.) correu por esse tipo de filme, que rendeu alguns títulos memoráveis (além dos que eu citei antes), a começar por Terremoto, estrelado por Charlton Heston e Ava Gardner, e Inferno na Torre, com Paul Newman e Steve McQueen, ambos lançados em 1974.
Os anos 1990 foram fartos na temática, talvez pela proximidade da virada do milênio, que suscitou muita superstição e teorias mirabolantes a respeito da chegada do novo século. É dessa década, por exemplo, o ótimo Twister (1996), sobre um grupo especializado em caçar furacões; O Inferno de Dante e Volcano: A Fúria (ambos sobre vulcões em erupções, lançados em 1997) e ainda Impacto Profundo (1998), em que um cometa entra em rota de colisão com a Terra.
Também saiu, por essa época, um filme que se tornou um prenúncio do coronavírus, 25 anos dele existir. Com um elenco estelar (encabeçado por Dustin Hoffman, Rene Russo e Morgan Freeman), Epidemia (1995) teve sua trama baseada na obra de Richard Preston que detalhava casos de febres hemorrágicas virais e, lançado nos cinemas em meio a um forte surto de Ebola, fez o mundo real temer um inimigo invisível, que se propaga pelo ar e causa muita morte, dor e faz o mundo entrar em colapso.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 02 de março de 2021.