Notícias

O cinema resiste bravamente

publicado: 23/08/2019 09h35, última modificação: 23/08/2019 09h35
entretenimento-bacurau.jpg

- Foto: - Divulgação

tags: bacurau , cinema , ancine , andré cananéa

 

‘Bacurau’, o esplêndido filme de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, exibido em pré-estreia na noite de quarta-feira em João Pessoa, com a presença dos realizadores e de parte do elenco, é um filme de resistência e é, em sua essência, um filme político, como são os títulos lançados por Kléber Mendonça até aqui. 

O diretor se refere a ele como uma ficção científica, que se passa daqui a alguns anos no interior de Pernambuco. Na verdade, ele mira no futuro mas espelha o passado da vida das pequenas e desassistidas cidades do interior nordestino: falta de água, corrupção, abuso de autoridade, desrespeito, violência extrema.

"Resistir é preciso" virou o mantra da arte e da cultura frente às investidas descabidas de Jair Bolsonaro, um presidente longe de ser bossa-nova (tá mais para forró de plástico). E posicionamentos políticos costumam acompanhar o diretor pernambucano. Em 2016, ao pisar no prestigiado tapete vermelho do Festival Internacional de Cannes, ele e a equipe que o acompanhou à França ostentaram pequenos cartazes que faziam alusão ao processo que levaria o impeachment da então presidente Dilma, do PT, que seria concluído dali a alguns meses: “Um golpe ocorreu no Brasil", “Resistiremos” e “Brasil não é mais uma democracia” eram algumas das frases impressas numa folha branca. 

Na turnê de promoção de ‘Bacurau’, que entra efetivamente em cartaz em todo o país na próxima semana, o diretor tem sido mais comedido, evitando transformar as pré-estreias em palanque. Não que isso intimide o público de se expressar: "Fora Bolsonaro", "Lula livre" e “Mariele! Presente!” (o filme faz uma rápida referência a ela) tem sido entoado Brasil à fora, durante e após a apresentação do longa.

Aqui em João Pessoa, antes do início da sessão, Kléber se limitou a dizer que ali, todos eram operários do cinema, ao se referir à equipe de ‘Bacurau’. O filme, informam os créditos finais, gerou 800 empregos diretos. Kleber rebate a visão míope do presidente Bolsonaro, que trata a classe artística com desdém e chegou a ensaiar o fechamento da Ancine, agência de fomento ao audiovisual brasileiro.

Ao final da sessão de quarta-feira, entre comentários de bastidor por parte da equipe e revelações acerca das ideias que movem o roteiro, a atriz Sônia Braga, que veio à Paraíba dar brilho a premiére, desabafou: “É difícil se envolver numa produção como essa e não ficar tocada com os problemas da comunidade de Barra (distrito de Parelhas, no Rio Grande do Norte, que serviu de locação), tentando buscar melhorias para ela, e ter que ouvir que a gente não trabalha”.

A estrela de filmes como ‘Gabriela, Cravo e Canela’, ‘O Beijo da Mulher-Aranha’ e ‘Aquarius’ revelou que se empenhou pessoalmente junto à governadora do RN, Fátima Bezerra, para que a estrada que liga Parelhas a Barra tivesse uma melhoria o que, segundo ela, foi atendido.

A equipe de ‘Bacurau’ não está sozinha nesta resistência aos dias soturnos que se anunciam para a arte no país. No fim de semana passado, durante o Festival de Cinema de Gramado, o elenco do filme ‘Pacarrete’, de Allan Deberton, aproveitou a passagem pelo tapete vermelho para, assim como a equipe de ‘Aquarius’, mandar seu recado. Diretor e parte do elenco, estrelado por três atrizes paraibanas (Marcélia Cartaxo, Zezita Matos e Soia Lira), sacaram cartazes com dizeres como “Ditadura não”, "Lula livre", Ancine sim", "Ditadura não", "Marielle presente" e "Cadê Queiroz".

Até aqui, o cinema brasileiro já superou muita coisa, entre elas a censura dos anos de chumbo, o fechamento da Embrafilme no Governo Collor e a recessão econômica durante o Governo Dilma. Sabe que atravessar um governo que vê o audiovisual não como um inimigo letal a ser dizimado, é uma tarefa hercúlea, que precisa de muitas mãos, braços dados e vozes firmes. Resistir, mais uma vez, será preciso.