*por André Cananéa
Hype é tudo aquilo que o mundo moderno e globalizado denominou de “acontecimento”, “bola da vez”, “o que todo mundo está falando”. O hype no universo do streaming é o seriado Stranger Things, uma produção da Netflix a partir da criação dos irmãos gêmeos Matt e Ross Duffer (os Duffer Brothers). Iniciado em 2016, o título já vai em sua quarta temporada, cuja primeira parte já foi ao ar e a segunda – aguardada com altas doses de expectativa graças ao… hype, promovido pela empresa e através dos influenciadores digitais – já entra em catálogo nesta sexta-feira.
Há seis anos, Stranger Things vem sendo falada, dissecada e louvada por diversas gerações de espectadores que se mostrou fissurada no mix de terror e ficção científica. A produção bebe da fórmula produzida pelo cinema nos anos 1980, incluindo aí o comportamento dos personagens, o figurino e trilha sonora oitentista (para se ter uma ideia, a nova temporada catapultou a esquecida cantora inglesa Kate Bush de volta às paradas), sem falar no enredo em si.
A trama parte de um grupo de garotos na pré-adolescência, um tanto nerds, que gostam de jogar RPG e acabam se deparando com dois mistérios: uma garotada da idade deles que surge, do nada, sem saber de onde veio, nem para onde vai; e o sumiço de um dos meninos que, como iremos descobrir ao longo da trama, foi parar num tal “mundo invertido”.
De lá para cá, muita coisa surgiu, personagens novos foram acrescentados e um rol de monstros foi apresentado ao espectador para entrar direto no imaginário pop do audiovisual dos últimos 10 anos. Agora, estamos às voltas com outro monstro que é uma espécie de Freddy Krueger do “mundo invertido”, além do que a menininha da primeira temporada (a tal Onze, ou apenas “On” para os chegados), agora praticamente uma mulher feita, volta às suas origens para uma espécie de ajuste de contas.
Por que Stranger Things faz tanto sucesso? Essa é uma pergunta que passa pela cabeça de muitos contemporâneos da minha idade, que eram adolescentes – como os personagens do seriado – ao longo dos anos 1980, e ávidos consumidores de filmes, livros e, porque não, até dos RPGs (jogos de tabuleiro baseados em narrativas fantásticas, geralmente aventuras medievais ou ficção científica).
Primeiro, é preciso dizer que Stranger Things trouxe de volta a garotada comum para o protagonismo das histórias, em um mundo de entretenimento dominado por super-heróis repetindo os mesmos e enfadonhos embates em multiversos infinitos, bruxos teens que não conseguem mais encantar plateias e uma série de aventuras pálidas que simplesmente não decolam.
A Netflix e os produtores do seriado perceberam o vácuo e lembraram ao mundo como eram legais aqueles filmes “Sessão da Tarde” com a turma do colégio reunida em deliciosas aventuras que pareciam só existir na nossa imaginação juvenil, com piratas ou naves espaciais: Os Goonies (1985), Conta Comigo (1986), E.T. - O Extraterrestre (1982), Viagem ao Mundo dos Sonhos (1985) etc., sem contar uma série de dramas e comédias inesquecíveis com adolescentes um pouco mais velhos, vide Clube dos Cinco (1985) e Curtindo a Vida Adoidado (1986).
Os novos títulos têm mostrado o poder da narrativa dos filmes dos anos 1980, que está muito em voga, afinal Stranger Things não está sozinha nessa “onda”, vide O Pacificador e Rua do Medo, ambas produções recentes. Mas tome, também, o retumbante sucesso de Top Gun: Maverick (em cartaz nos cinemas).
A sequência de Top Gun: Ases Indomáveis (1986) alcançou, no fim de semana, a marca de maior filme de 2022 (e o maior sucesso da longeva carreira de Tom Cruise) ao cravar US$ 1 bilhão em bilheteria. Maverick não é apenas uma conexão com os anos 1980, mas sua estrutura remete aos filmes machoman de ação que marcaram a época.
Portanto, Stranger Things não é só nostalgia para quem já passou dos 40… há toda uma fórmula narrativa que (ainda) encanta, e que parece ter se perdido a partir dos anos 1990, quando o cinema (e, mais tarde, as séries) com foco no público juvenil, foi mudando em busca de roteiros mais complexos e temas mais espinhosos.
Felizmente, 37 anos depois de Os Goonies, os produtores entenderam que tudo que o mundo precisa é de uma boa e encantadora história, com aquele final moralmente edificante, resultado do embate entre mocinhos e vilões bem definidos, para extravasar um ano tão pesado, com pandemia, guerra, intolerância e incompreensão.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de junho de 2022.