Que noite histórica, hein?! Se a indicação de um filme sulcoreano ao Oscar já era um feito e tanto, imagine levar para casa quatro dos principais prêmios da festa. Parasita, um bem realizado drama com toques de humor negro e suspense, totalmente falado em coreano, fechou a noite de domingo desbancando a forte concorrência em Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Internacional. Aliás, além de ser a estreia do país no Oscar, Parasita foi o primeiro filme da história a levar Melhor Filme Internacional e Melhor Filme ao mesmo tempo, algo que se esperava de Roma no ano passado.
A surpresa do diretor Bong Joon-ho, toda vez que ele subia ao palco, me pareceu bastante autêntica. Na primeira chamada, para receber o prêmio de Melhor Roteiro Original, não esperou voltar para a cadeira para contemplar a estatueta, e o fez ali mesmo, no palco, enquanto seu colega discursava.
Ao agradecer o prêmio de melhor diretor, disse que gostaria de pegar uma serra elétrica e repartir o troféu entre os demais indicados. Mas ele fez melhor do que isso: saudou os diretores que competiam com ele com muita deferência e carinho. De Tarantino, por exemplo, lembrou que o diretor de Era Uma Vez... em Hollywood costumava incluir os filmes do colega sul-coreano em suas prestigiadas listas.
Mas foi a referência que fez ao diretor de O Irlandês (filme que saiu sem nada) que fez o público se levantar da cadeira e aplaudir o vencedor calorosamente: “Quando eu era estudante de cinema, havia um ditado que marcou meu coração: o que é mais pessoal, é mais criativo. Esta frase é do diretor Martin Scorsese”, disse.
Bong Joon-ho fez afagos aos outros dois concorrentes (Sam Mendes, de 1917, e Todd Phillips, de Coringa) em uma das disputas mais acirradas da categoria dos últimos tempos. Mas o afago não foi gratuito: há muito dos quatro no cinema que Bong Joon-ho fez até aqui (Parasita é seu sétimo longa).
Esperava-se que Parasita ganhasse apenas Filme Internacional. Dividia com Dois Papas o favoritismo de Roteiro Original. Mas Diretor, desbancando Scorsese, Tarantino, Mendes e Phillips? Eu mesmo achava que Tarantino levaria o prêmio, em um reconhecimento tardio pelo lugar que ele ocupa no cinema, e por Era Uma Vez... em Hollywood ter qualidades para tanto.
Melhor Filme, vá lá, era mais plausível. Vejamos: de largada, descartei logo Ford vs Ferrari (nem sei porque ele foi indicado), Jojo Rabbit e Adoráveis Mulheres (duas pérolas em briga de cachorro grande). O Irlandês e História de Um Casamento são da Netflix e, por mais um ano, a Academia mostrou que não reconhece o serviço de streaming como cinema. Também não apostaria minhas fichas em Coringa, afinal muita gente ainda o vê como “filme de super-herói”.
Sobraram, portanto, o épico de guerra 1917, que surgiu como favorito; Era Uma Vez... em Hollywood, que poderia se tornar a consagração do cinema de Tarantino, e Parasita, que só precisava desbancar esses outros dois. Foi o que aconteceu.
Alguns podem dizer que o resultado era esperado. Afinal, a Academia tem tentado se abrir à diversidade, procurando mudar a percepção de que a promotora do Oscar é um clube fechado do qual só participam os velhos magnatas da indústria. Ano passado, convidou 928 pessoas de 59 países para integrar seus quadros de votantes. Destes, seis eram mulheres, e brasileiras, incluindo Petra Costa, que acabou por concorrer com Democracia em Vertigem (perdeu para Indústria Americana, mas deu seu recado no tapete vermelho ao protestar contra as queimadas da Amazônia).
A vitória arrebatadora de Parasita teve muitos significados. Um deles é ampliar os horizontes do Oscar, alargando a visão de quem acha que só é cinema o que vem dos Estados Unidos. Parasita nem é o primeiro grande filme sul-coreano. Há muitos antes dele. Há, por exemplo, toda uma história que remete aos anos 1950, 1960, quando o cinema de lá era feito sob leis e costumes bem rígidos.
Mais recentemente, essa produção tem escoado para o resto do mundo, e deixado o público internacional de queixo no chão. O Hospedeiro, Okja e O Expresso do Amanhã, os três do próprio Bong Joon-ho; Invasão Zumbi, de Yeon Sang-ho, e A Criada, de Chan-wook Park (diretor do celebrado Oldboy) são algumas dessa produção recente do país asiático e que podem ser encontradas com facilidade nos serviços de streaming aqui no Brasil.
Escrevo estas linhas no calor da premiação. Do sofá, vibrei e aplaudi a edição mais justa dos últimos anos. Cada prêmio ali foi dado segundo a qualidade de seus filmes. Foi justo Jojo Rabbit levar Roteiro Adaptado, desbancando O Irlandês, Coringa, Adoráveis Mulheres e Dois Papas? Justíssimo! O roteiro não é só o ponto forte do filme, mas uma aula de como criar uma história bem amarradinha, com piadas e sequências nos lugares certos, sem sobrar ou faltar nada.
Não foi uma disputa fácil. Muitos grandes filmes concorriam entre si. Coringa, além da aposta certa em Melhor Ator para Joaquim Phoenix, acabou levando também Melhor Trilha Sonora, também com justiça. Era Uma Vez... em Hollywood ficou com Coadjuvante (Brad Pitt) e Design de Produção (eu jurava que esse prêmio iria para 1917).
O filme de Sam Mendes, como eu havia previsto na coluna Cena de Cinema que faço na Rádio Tabajara, ficou com prêmios técnicos: Efeitos Visuais, Edição de Som e Fotografia (um trabalho primoroso do veterano Roger Deakins, que em 2018 levou seu primeiro Oscar por Blade Runner 2049).
Dentro do esperado, a premiação consagrou os trabalhos de Renée Zellweger e Laura Dern como Atriz e Atriz Coadjuvante, respectivamente, assim como deu “(I’m gonna) love me again”, do filme Rocketman, para Elton John e Bernie Taupin. Mas na minha humilde opinião, se derrapou, foi em Melhor Animação. Afinal, em categoria que há Klaus e Perdi Meu Corpo, Toy Story 4 não merece ganhar. A não ser que os concorrentes sejam da… Netflix!
*texto publicado originalmente na edição impressa de 11 de fevereiro de 2020