Filme de terror, A Substância (The Substance, 2024) tem levado um bom público aos cinemas (para os padrões pós-pandemia) e segue em cartaz em João Pessoa, com sessões no Centerplex (MAG Shopping) e Cinépolis (Manaíra Shopping) — está previsto para chegar ao serviço de streaming Mubi nesta quinta-feira (31).
Estrelado por Demi Moore (Ghost – Do Outro Lado da Vida, Proposta Indecente), do alto dos seus 60 anos de idade, e pela jovem Margaret Qualley (Tipos de Gentileza, Garotas em Fuga), o filme da francesa Coralie Fargeat é uma grande alegoria sobre obsessão pela beleza, juventude e sucesso, e o preço (alto) que ela exige.
Fargeat constrói a narrativa com muitas sequências metafóricas. A primeira cena é um ovo estalado que, após ser inseminado por uma substância, duplica sua gema. Explica o conceito que move o filme: após ser demitida de um programa de TV, Elisabeth (Demi Moore) acaba recebendo um convite para experimentar uma tal substância, que faz com que surja, dela mesma, uma versão mais nova e perfeita, um “clone” rejuvenescido, com quem compartilha a mesma “alma”, ou seja, personalidade, memória, instinto etc.
Mas há algumas regras a serem seguidas, e a principal delas é que a “matriz” e a “derivada” respeitem o tempo de sete dias de alternância entre as duas. E em filme — sabe como é, né? — as regras existem para serem quebradas (Gremlins é um exemplo clássico). E aqui não é diferente: ao extrapolar o prazo, Sue (Margaret Qualley), a versão mais nova e perfeita de Elizabeth, vai provocar um cataclisma na vida de ambas (que, até então, são a mesma pessoa, vale lembrar, mas tratadas distintamente à medida que o roteiro avança).
Se você é do tipo que já viu muitos filmes na vida, vai encontrar referências aos borbotões. 2001 – Uma Odisseia no Espaço e, principalmente, O Iluminado estão lá, afinal Fargeat parece ser uma discípula fiel da estética Stanley Kubrick, assim como de David Lynch (O Homem Elefante), David Cronenberg (A Mosca) e Brian De Palma (Carrie, a Estranha). Some-se a isso semelhanças a clássicos como O Médico e o Monstro e Crepúsculo dos Deuses.
Se o leitor conhece bem esses filmes, já conseguirá fazer uma ideia do que esperar. Mas A Substância vai um tiquinho além. Em seu badalado longa-metragem anterior, Vingança (2017), sobre uma bela jovem que é caçada por três homens brancos héteros e muito malvados no meio do deserto — não confundir com Doce Vingança —, a diretora Coralie Fargeat mostra que muito ketchup em batata-frita é pouca bobagem, e gosta mesmo de dar um banho de sangue no set de filmagem, e com A Substância não é diferente. A sequência final (uma espécie de Homem Elefante toma o lugar de Carrie) pode ser indigesto para quem não está acostumado à estética “gore” dos cinemas apelativos de horror de baixo orçamento, que se fazem com toneladas de sangue cenográfico, vísceras e gosmas de todo o tipo.
Mas o importante mesmo são as discussões que o enredo (premiado em Cannes) suscita. O filme vai descendo numa espiral catastrófica, questionando os limites (ou falta deles) da obsessão. Há leituras que envolvem as medidas sobre beleza e comida e os sacrifícios (aqui, desmedidos) para se manter sob os holofotes do sucesso.
Graficamente, o filme contém cenas absolutamente deslumbrantes e/ou repugnantes, vide o produtor Harvey (Dennis Quaid) saboreando (se é que pode ser dito assim) um prato de camarões. Perdoando certos exageros do roteiro, A Substância, além de ser o filme mais falado de 2024 até agora, certamente é um dos melhores do ano.
Em tempo: com este texto, dou uma pausa de quatro semanas para férias necessárias, e volto com os artigos em dezembro. Até lá!
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de outubro de 2024.