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Odair José, mais cult que brega

publicado: 17/09/2024 09h16, última modificação: 17/09/2024 09h16
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Para uma plateia majoritariamente 60+, Odair José desfilou seus sucessos | Foto: André Cananéa/Arquivo pessoal

por André Cananéa*

Foi para uma plateia que, durante os anos 1970, foi embalada ao som de sucessos como “Vou tirar você desse lugar” e “Uma vida só (Pare de tomar a pílula)” que Odair José se apresentou, em João Pessoa, na última quinta-feira (12). “Como vocês devem saber, eu sou conhecido como ‘o cantor da pílula’”, disse o artista de 76 anos de idade a um público majoritariamente 60+ que encheu o Teatro Paulo Pontes do Espaço Cultural, em uma edição do projeto Seis e Meia.

Um dos últimos grandes nomes da chamada “música brega” que tomou conta de AMs, FMs e difusoras Brasil afora nos anos 1960 e 1970, Odair José foi cantor de muito sucesso na primeira metade da década de 1970, mas os holofotes foram se apagando à medida que o novo século se aproximava. Entretanto, o artista foi redescoberto pela geração Z e até ganhou um tributo (Vou Tirar Você Desse Lugar, de 2009), no qual artistas como Zeca Baleiro, Paulo Miklos e Pato Fu apresentavam releituras para parte do cancioneiro de Odair José.

Isso estimulou o cantor e compositor a voltar ao estúdio e gravar novos álbuns — Dia 16 (2015) e Gatos e Ratos (2016) entre eles —, que soam como artistas do rock indie do início do século 21, com muita guitarra e uma pegada firme na “cozinha”, como se chama a dobradinha baixo/bateria.

Mas a nova geração não se dispôs a sair de casa para ver Odair José repaginado. Empunhando uma guitarra Fender — favorita de 10 entre 10 artistas devotos ao rock‘n’roll — e acompanhado por um power quarteto, com baixo, guitarra, bateria e teclados, Odair passeou por quase toda a carreira, concentrando 78% do repertório no seu cancioneiro lançado nos anos 1970, apresentados com arranjos enxutos, pouco vibrantes (pelo menos foi assim que soou após a explosiva apresentação do Caronas do Opala, comandada pela incrível Val Donato) e muito calcado no folk elétrico de Bob Dylan e no rock inglês dos Beatles (uma influência tão grande que ele tem até uma canção chamada “Eu queria ser John Lennon”, lançada há mais de 50 anos).

Foram exatos 25 números, incluindo os sucessos obrigatórios “A noite mais linda do mundo” (que abriu o repertório), as citadas “Vou tirar você desse lugar” e “Pare de tomar a pílula” (outrora de um romantismo ingênuo, hoje podem ser interpretadas como machistas), e ainda — a mais pedida da noite — “Cadê você”, lançada em 1973 e que encerrou o show.

Como o próprio Odair enfatizou ao Jornal A União em matéria publicada na semana passada, ele não é brega, tampouco roqueiro: ele é “Odair José”, criando um estilo musical a partir do próprio nome. É com esse tempero que ele desfila, ainda, “Esta noite você vai ter que ser minha” (1972), “Eu, você e a praça” (1974) e “Mande nem que seja um telegrama” (também lançada em 1972).

E, como não foi um show brega, ele fez duas incursões curiosíssimas: apresentou três faixas do polêmico LP O Filho de José e Maria (entre eles o hit “Nunca mais”), cujo enredo aborda um suposto Jesus Cristo envolvido com drogas e inseguro em relação à sua orientação sexual. Lançado em 1977 após problemas com a Ditadura Militar, levou o artista a ser tachado de louco e foi um retumbante fracasso de vendas, porém se tornou extremamente cultuado ao longo dos anos a ponto de ser sido reeditado em vinil recentemente e tema de um livro, que deverá ser lançado em breve.

“Eu em 1977 fiz um disco, e esse disco não foi aceito na época, as pessoas não entenderam, ou entenderam errado. Foi O Filho de José e Maria”, comentou Odair José, no palco do Paulo Pontes. “Esse é um disco, como se diz, emblemático. Ele não foi o disco de maior sucesso da minha carreira, mas terminou sendo o mais importante de todos eles”, acrescentou.

Também conceitual, Seres Humanos (e a Inteligência Artificial) é o mais novo álbum do artista, lançado neste ano. Nele, Odair José deixa de lado a temática de amor para se debruçar sobre o mundo hiperconectado e tecnológico dos tempos atuais. Levou tão a sério a temática que optou por compor e gravar o disco com ajuda de inteligência artificial.

“Eu tenho que prestar atenção para não ser engolido pela tecnologia”, comentou antes de anunciar “A roupa”, uma das três faixas do novo trabalho, apresentadas ao público de João Pessoa, que as recebeu com frieza. Aliás, foi o único material recente que ele incluiu no repertório majoritariamente antigo que, afinal de contas, era o que a plateia queria ouvir.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de setembro de 2024.