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Onde “Star Wars” se parece com “Ainda Estou Aqui”

publicado: 06/05/2025 09h48, última modificação: 06/05/2025 09h48
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“Andor”, série do Disney+, é um dos mais elogiados derivados da franquia “Star Wars” | Foto: Divulgação/Disney

por André Cananéa*

Até o primeiro trimestre deste ano, a franquia Star Wars produziu cerca de 157 horas de conteúdo audiovisual (você levaria mais de seis dias para assistir tudo de uma só vez), contabilizando só os títulos lançados oficialmente pela Lucasfilm (e, a partir de 2013, pela Disney). São filmes e séries, de animação e live action, tudo derivado daquele filme de 1977 (Star Wars – Episódio IV – Uma Nova Esperança, conforme a nomenclatura vigente), que ninguém botava fé a não ser um jovem e idealista cineasta: George Lucas.

O universo de humanos, jedis, mercenários e criaturas de toda a espécie, divididas em dois lados distintos - o temido Império e a Aliança Rebelde – rendeu, além de nove filmes principais, um sem número de derivados que não consegui acompanhar direito (sem falar em livros, histórias em quadrinhos e jogos), mas vez ou outra arrisco assistir algo e sou recompensado com um entretenimento de primeira grandeza.

Isso aconteceu recentemente quando vi a série Andor, cuja segunda temporada acaba de estrear no Disney+ (até agora, só vi a primeira, mas já estou ansioso para ver a segunda, que irá encerrar o título). Andor – com 12 capítulos cada temporada – narra a vida pregressa de um personagem que apareceu originalmente no filme Rogue One – Uma História Star Wars (2016), Cassian Andor (Diego Luna).

O filme passa ao largo da franquia principal, e embora não tenha os personagens dela, possui uma premissa completamente relacionada ao universo SW: um grupo de rebeldes se une para roubar os planos da Estrela da Morte, que está sendo desenvolvida pelo Império (a arma aparece pronta no Episódio IV).

O que me atrai nessa primeira temporada é o quanto a história é política, talvez o título mais político de toda a franquia, que a bem da verdade, tem uma natureza política, só não havia sido explorada tão bem quanto aqui.

A linha, aliás, foi desenhada em Rogue One (também disponível no Disney+). “Está confundindo paz com terror”, rebate o cientista Galen Erso (Mads Mikkelsen) ao ouvir do vilão que um projeto que estava sendo desenvolvido pelo Império (a tal Estrela da Morte, capaz de dizimar planetas inteiros) estava “bem perto de proporcionar paz e segurança para a galáxia”.

Na série ficamos sabendo como Cassian Andor (ainda com Luna no papel) entrou para a Rebelião, grupo que luta contra a tirania do Império, em meio a um roteiro inteligente, ótimas sequências de ação – vide o arco da prisão – e texto afiado. No último episódio da temporada, Maarva Andor (Fiona Shaw), mãe de Cassian, faz um discursos repleto de boas metáforas contra o opressor. “O Império é uma doença que prospera na escuridão, nunca está mais vivo do que quando estamos dormindo”, alerta, antes de inflamar: “Se eu pudesse fazer de novo, acordaria mais cedo e lutaria contra esses bastardos desde o começo. Lute contra o Império!”.

É impossível assistir a Andor e não pensar em Ainda Estou Aqui no que diz respeito a ditadura militar que torturou o Brasil a partir de 1964. Estão lá o autoritarismo brutal, a burocracia opressiva, prisões arbitrárias, torturas em porões, agentes duplos, vigilância constante e por aí vai. Por outro lado, há a resistência, a Rebelião que quer a galáxia livre da tirania, um exército articulado na surdina e com apoio de membros do Senado Imperial agindo clandestinamente.

Andor tem uma qualidade que não vi em outras séries da franquia Star Wars: está muito mais preocupada em levantar discussões morais do que rechear a história com easter eggs manjados. Ao contrário de O Mandaloriano, por exemplo, quase não há criaturas exóticas; as tramas são vividas por personagens humanos tentando desarticular os planos do Império. É um enredo que não perde tempo com firulas.

Isso torna a história muito mais densa e interessante. Sai de cena um bebê Yoda, fofo, mas insípido, para entrar uma figura como Luthen Rael (Stellan Skarsgård), personagem de moral ambígua que tem algumas das melhores falas de todo o universo Star Wars, como “Estou condenado a usar as ferramentas do meu inimigo para derrotá-lo” ou “Eu queimo minha vida para fazer nascer um sol que sei que nunca verei”, que diz a um agente infiltrado, no épico capítulo 10.

É bom e bonito de ver que a Disney está promovendo reflexões sobre governos tirânicos em épocas como esta, em que Donald Trump se comporta como um imperador galáctico disposto a exterminar qualquer rebelde que apareça pela frente. Ou, parafraseando Fernanda Torres na promoção de Ainda Estou Aqui nos EUA, Andor também ajuda a pensar sobre como sobreviver em momentos difíceis.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 06 de maio de 2025.