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Os maravilhosos mundos de Del Toro e Anderson

publicado: 22/02/2022 08h00, última modificação: 02/03/2022 09h05
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Cena do filme 'A Crônica Francesa’, de Wes Anderson - Foto: Fotos: Divulgação

tags: Guillermo del Toro , Wes Anderson

por André Cananéa*

Acabo de ver os mais recentes filmes de dois cineastas que eu acho incríveis. Incríveis pela maneira como entregam suas obras, repletas de cor, magia, técnica, arte… e, acima de tudo, com uma assinatura própria. E, parafraseando Caetano, quem há de negar que Guillermo del Toro e Wes Anderson não fazem um cinema superior?

Guillermo del Toro, que já conquistou espaço nobre na história da sétima arte com obras como Labirinto do Fauno e A Forma da Água (vencedor de quatro Oscars, incluindo Melhor Filme) teve seu O Beco do Pesadelo exibido recentemente nas salas de cinema. Eu não chamaria de um policial noir, como ele, de fato, se apresenta, mas de um drama noir repleto dos elementos de fantasia, terror e suspense que caracterizam o cinema do diretor mexicano.

A história é baseada no livro homônimo de Lindsay Gresham lançado em 1946 e adaptado para o cinema no ano seguinte com o título de O Beco das Almas Perdidas. O filme é tão aclamado que, por muito tempo, a Fox reteve os direitos da obra por achar que ninguém faria um filme à altura.

Bem, ainda não conheço o filme de 1947, mas aqui, em O Beco do Pesadelo, Del Toro faz um trabalho excepcional de design de produção, figurino e o uso da cor, utilizando, mais uma vez, o verde e o vermelho em cima do tom sépia com maestria – tanto a fotografia, quanto as outras duas categorias receberam indicações ao Oscar, num total de quatro apostas, a principal delas, Melhor Filme.

Stanton Carlisle, papel que coube ao ator Tyrone Power na primeira versão, aqui é de Bradley Cooper, um sujeito de passado misterioso que acaba se juntando a uma trupe de circo, desses que circulavam nos rincões da América de décadas passadas, vendendo elixir milagroso e atrações bizarras. Ambicioso, Carlisle vai crescendo no circo, até aprender truques de mágica e seguir carreira solo. 

É quando começa a segunda parte da história, em que o protagonista parte para golpes em ricaços da cidade grande, sob o protesto da esposa Molly (Rooney Mara) e com a ajuda de uma psiquiatra (Cate Blanchett, a femme fatale da narrativa), o que leva a um desfecho surpreendente. O elenco ainda tem Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins e um velho conhecido dos filmes do diretor mexicano, Ron Perlman.

O cinema de Wes Anderson é ainda mais visual. Sua mise-en-scène é repleta de detalhes, enquadramentos perfeitos e profundidade espacial. São verdadeiras pinturas cinematográficas. Que o digam filmes como Os Excêntricos Tenenbaums e Moonrise Kingdom.

Em A Crônica Francesa – disponível na plataforma Star Plus (junto a outras obras do diretor) –, ele reúne uma constelação de estrelas, algumas com apenas poucos minutos de tela, para dar vida a três crônicas do fictício semanário A Crônica Francesa (notadamente inspirado em The New Yorker, mas também poderia ter sido no Correio das Artes...).

As histórias são entrecortadas pelo cotidiano da redação, com encontros entre o editor-chefe (Bill Murray), repórteres, articulistas, crônicas e ilustradores, que rendem outras pequenas histórias, abrindo e fechando o enredo pelo obituário de seu commander-in-chief.

No meio, a história vai sacando as seções da revista - arte, política e gastronomia - com textos que evocam a crítica humana e social da França (mas também dos EUA e, por tabela, de qualquer parte do mundo) do meio do século passado. Assim, o filme abre com a história narrada pela personagem de Tilda Swinton sobre um condenado a duplo homicídio (Benicio del Toro) que se descobre pintor ao conhecer sua musa na carceragem (Léa Seydoux) e acaba produzindo obras que o tornam o maior artista do mundo, com a ajuda de um marchand (Adrien Brody).

Na sequência, Frances McDormand e Timothée Chalamet dão vida a uma revolta estudantil (notadamente inspirada em Maio de 1968), que se resolve a partir de uma disputa de xadrez e, por fim, Jeffrey Wright conta como uma crônica sobre o chef de cozinha do departamento de polícia se tornou um caso, de fato, policial com o sequestro de um garoto.

Tudo isso contato com muito humor, enquadramentos que dá vontade de pausar a imagem para admirá-la e esse incrível mundo estético que Anderson criou, misturando personagens reais e animação (praia que ele domina tão bem que já rendeu duas obras-primas, O Fantástico Sr. Raposo e Ilha dos Cachorros). E por mais que em A Crônica Francesa ele entregue mais um filme impecável, acho que, desta vez, os excessos acabam não me conquistando tanto quanto outras obras dele, como O Grande Hotel Budapeste, por exemplo.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 22 de fevereiro de 2022.