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Os monstros de Guillermo del Toro

publicado: 25/11/2025 08h34, última modificação: 25/11/2025 08h34
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Guillermo Del Toro em cena do documentário “Sangre del Toro”, disponível na Netflix | Foto: Divulgação/Netflix

por André Cananéa*

O caso de amor entre a Netflix e Guillermo del Toro não começou agora, com a chegada de Frankenstein (2025). A plataforma tem acolhido o cineasta mexicano como uma mãe zelosa, e o resultado dessa parceria é um conjunto de títulos impressionantes: de Pinóquio por Guillermo del Toro (2022) à recém-lançada adaptação da obra máxima de Mary Shelley, passando pelo sensacional O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro (também de 2022), uma antologia de histórias curtas que reflete com precisão a estética fantasiosa que se tornou marca registrada do diretor.

Além de Frankenstein, o catálogo da Netflix recebeu duas pérolas para os fãs do cineasta: um “making of” sobre a produção do novo rebento do diretor de O Labirinto do Fauno (2006) e A Espinha do Diabo (2001), intitulado Frankenstein: Aula de Anatomia (2005), e o documentário Sangre del Toro (2005), sobre como foi forjada a estética do artista.

Exibido este ano na Mostra Internacional de Veneza, Sangre del Toro parte da exposição Em Casa com Meus Monstros, realizada em 2019 na cidade natal de del Toro, Guadalajara, no México. A mostra reúne parte do vasto acervo do diretor — peças de arte, objetos de cena usados em seus filmes, relíquias (como aquarelas originais do Pinóquio da Disney, de 1940) e uma infinidade de obras grotescas que ele adora colecionar.

No documentário, del Toro explica como filmes, referências locais (como o tradicional Dia dos Mortos, um cemitério repleto de lendas e uma igreja que lhe nutriu da estética gótica) e o catolicismo (hoje ele se considera um católico não praticante) moldaram sua persona artística. “Há muitas ideias vampíricas no catolicismo”, diz ele, citando a comunhão — beber o sangue e comer a carne — como exemplo simbólico dessa imagética.

“Para mim, não há monstros fora de nós. Eu sempre mergulho fundo nos meus filmes porque acho que essas coisas existem dentro de nós”, afirma o diretor. Em outro momento, ele revela que sempre foi obcecado por criaturas fantásticas: “Desde criança, eu queria ser um criador de monstros, fazer efeitos com maquiagem, criar monstros”.

O documentário também explora sua paixão pelos quadrinhos — ele dirigiu Hellboy e Blade – O Caçador de Vampiros — e, sobretudo, pelos mangás de horror. Há até um depoimento exclusivo de Junji Ito, mestre do gênero. Isso, além do fascínio que tem pela cultura oriental, levou Del Toro, por exemplo, a fazer Círculo de Fogo (2013). Ele também comenta sua admiração pelas obras do mexicano José Clemente Orozco e do francês Jean-Honoré Fragonard, este famoso por suas múmias criadas com a técnica “écorchés”.

Sangre del Toro é um passeio fascinante pela mente de um dos cineastas mais criativos da atualidade, e recomendo assisti-lo antes mesmo de Frankenstein. E por quê? Porque, assim como A Forma da Água — que rendeu a del Toro quatro Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor — seu novo longa é rico em sutilezas e requintes que podem passar despercebidos a espectadores desavisados, que por desconhecimento acabam perdendo parte da experiência estética mais soberba que as obras do diretor mexicano oferecem.

Guillermo del Toro jamais daria um tratamento simplório ao seu livro preferido. Embora tome liberdades (acertadas) em relação à obra de Mary Shelley, ele permanece fiel à história, bailando entre ideias de paternidade — inclusive a paternidade abusiva —, amor e, claro, a eterna pergunta: afinal, quem é o monstro? O gênio que brinca de Deus ou a criatura formada por partes de cadáveres recém-retirados do necrotério?

Ao longo das décadas — e até mesmo antes do célebre Frankenstein de 1931, que eternizou o rosto de Boris Karloff graças à criação de Jack Pierce —, a criatura do Doutor Frankenstein foi tratada como o verdadeiro monstro da narrativa (embora às vezes dividisse a vilania com seu criador). Mas, como Guillermo afirma em Sangre del Toro, seu cinema propõe perguntas, não respostas. Seguindo essa trilha, ele nos entrega mais um filmaço, adornado com um design de produção digno do Oscar. Estou na torcida!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 25 de novembro de 2025.