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Ótima, série revela os humores e dissabores de Chico Anysio

publicado: 07/10/2025 08h06, última modificação: 07/10/2025 08h06
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Chico Anysio: grandeza do humorista é retratada em cinco episódios | Foto: Divulgação/Globoplay

por André Cananéa*

Quando vi Um Beijo do Gordo, série em quatro episódios que narra a vida e trajetória de Jô Soares, lançada em julho de 2024, pensei com meus botões: alguém precisa fazer o mesmo com Chico Anysio. Não sabia eu que um dos filhos dele, Bruno Mazzeo (fruto do casamento do humorista com a atriz Alcione Mazzeo), já estava em ação.

Lançada em 25 de setembro, na mesma Globoplay que dispõe de Um Beijo do Gordo, Chico Anysio, um Homem à Procura de um Personagem faz o mesmo pelo humorista cearense, só que em cinco episódios. E, ao contrário da série do Jô, que chamei de superficial em um artigo que publiquei aqui, neste espaço, a de Chico Anysio é bem completa: não foge de assuntos espinhosos, ao mesmo tempo que é muito amorosa e reverente com seu personagem central.

O roteiro trabalha em dois trilhos: o pessoal e o profissional. Praticamente, quem precisava falar sobre Chico Anysio está lá, seja em entrevistas recentes conduzidas por Mazzeo — após a morte do pai, ocorrida em 22 de março de 2012 —, seja por meio de entrevistas de arquivo; aliás, material muito bem garimpado pela produção.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que por muito tempo foi o todo-poderoso da Rede Globo; o diretor Daniel Filho; o locutor Galvão Bueno; o jornalista Ricardo Amaral; a atriz Fernanda Montenegro (contemporânea do rádio, nos anos 1940), entre outros, além de familiares — muitos irmãos, dos famosos aos anônimos —, conversaram com Bruno sobre a personalidade, a genialidade e a intimidade de um dos maiores humoristas de todos os tempos.

Até os dois filhos que Chico Anysio teve com a ex-ministra da Economia de Collor, Zélia Cardoso, além da própria ministra, conversaram com Bruno Mazzeo. “O amigo público, no 1 da população brasileira, se casou com a inimiga pública nº 1”, definiu um dos irmãos de Chico, o diretor de cinema Zelito Viana, a respeito do controverso casamento dos dois. Isso sem falar no próprio Chico, com idade avançada e cansado em decorrência de um enfisema pulmonar.

Um Homem à Procura de um Personagem é didático e narra a jornada de Chico Anysio em ordem cronológica, da mudança da família do Ceará para o Rio de Janeiro, com uma rápida pincelada sobre a infância do futuro criador de A Escolinha do Professor Raimundo, passando pela chegada ao rádio, à televisão e aos shows em teatros lotados, até o declínio na virada dos anos 1990 para 2000, após desentendimentos com a Globo.

Os dois primeiros episódios tratam do sucesso arrebatador que Chico Anysio teve na televisão, com seu sem-número de personagens. “Tudo que eu fiz foi o Chico Anysio Show mudando de nome, né? Virou Chico City, virou Chico Especial, virou Chico em Quadrinhos, virou Chico Total… mas, no fundo, (tudo) era o Chico Anysio fazendo seus personagens”, reflete o humorista, que chegou a contabilizar um total de 209 personagens, mas que só conseguia comprovar a existência de 170, porque três das TVs nas quais trabalhou —Excelsior, Rio e Tupi — tiveram seus acervos perdidos.

A relação com o parceiro Arnaud Rodrigues (com quem fez Baiano e os Novos Caetanos) e com Jô Soares faz parte do roteiro, assim como Os Trapalhões, com direito a depoimentos de Renato Aragão e Dedé Santana, que lembram que Chico Anysio ajudou a impulsionar a carreira de humorista de Mussum. Também a breve passagem do humorista pelo cinema.

As paixões para lá de volúveis por times de futebol e o contexto político também entraram na série. Chico Anysio conseguiu fazer um sucesso absurdo em todo o país com humor em plena Ditadura e até criou uma personagem para fazer graça com o último militar do regime de exceção na presidência, João Figueiredo: a Salomé. “Faço um humor social”, rebatia Chico ao falar sobre o tema.

Além dos casamentos narrados por filhos ou ex-esposas, a série aborda a derrocada de um homem fundamental para os primórdios da televisão brasileira, incluindo a depressão que lhe acometera. A controvérsia envolvendo a chegada da TV Pirata na Globo é contada sob várias perspectivas, incluindo as de Miguel Paiva (criador) e Cláudio Manoel (redator). Os dissabores com a Globo após a chegada de Marluce Dias, substituta de Boni na direção da emissora, também são tratados na série, com a participação da própria Marluce, inclusive.

O emocionante quinto e último episódio revisita os personagens mais conhecidos (um deles, Silva “Bunitim”, teria sido inspirado em um paraibano) e trata da despedida de um humorista que foi de suma importância para os primórdios da TV. Chico Anysio, um Homem à Procura de um Personagem cumpre bem o seu papel ao ser bastante respeitoso e, ao mesmo tempo, não passar pano para situações em que produções chapa-branca teriam evitado. Bruno Mazzeo está de parabéns!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de Outubro de 2025.