O músico Ozzy Osbourne talvez seja um dos nomes mais reconhecíveis em todo o planeta, atépor crianças e idosos, mesmo que não entendam patavinas de rock ou de música pop. Considerado um dos gigantes da cultura pop, trouxe para o rock temas dignos de um filme de terror e se autointitulava “Príncipe das Trevas”. Entre os muitos fatos curiosos que cercam a trajetória dele está o de ter mordido (por engano?!) um morcego. O roqueiro morreu no dia 22 de julho deste ano, aos 76 anos de idade.
A biografia do lendário artista que, junto com o Black Sabbath, deu origem à vertente mais pesada do heavy metal é deixada de lado em Ozzy: No Escape FromNow — título mantido em inglês (algo como “Ozzy: A partir de agora, não há escapatória”, em tradução livre) — disponível na Paramount+, onde o longa-metragem de pouco mais de duas horas pode ser assistido com legendas em português… de Portugal (?!) — ao menos quando eu o assisti, no sábado (11).
A produção começa em outubro de 2024, na casa dos Osbournes, em Los Angeles, onde o ex-vocalista do Black Sabbath reclama da dieta restritiva à qual foi submetido, precisando eliminar pratos gordurosos, frituras, sorvetes, açúcar etc. — “Onde estão os velhos tempos?”, pergunta o músico à esposa e empresária (e produtora do filme) Sharon Osbourne, que responde: “Eles se foram.” Em seguida, ela indaga: “O que você comia nos velhos tempos?” E ele, de pronto, responde: “Álcool!”
No Escape FromNow retrata um homem idoso, fragilizado, vítima dos muitos excessos que a vida de rockstar lhe proporcionou — uma jaca enorme na qual ele enfiou os dois pés como se não houvesse amanhã. Logo no início do filme, a empresária repassa as demandas de imprensa que ele tem. Ozzy se mostra um pouco impaciente, senta-se no sofá e cochila. Ela segue conversando com a equipe de gravação (dirigida por Tania Alexander), quando o cantor começa a falar dormindo, ao passo que Sharon o desperta. Típica atitude de um homem velho e doente.
Em 2011, foi lançado um documentário chamado GodBless Ozzy Osbourne, que eu vi em DVD. Era uma produção muito mais focada na trajetória do cantor, mostrando o esforço que ele fazia para se reabilitar do álcool e das drogas que. Vale lembrar que até o início do século 21, ele já sofria do Mal de Parkinson e tinha uma enorme dificuldade para falar (mas, para cantar, seguia ótimo).
Em No Escape FromNow, o astro britânico aparece reabilitado, mas sofre de um problema muito sério na coluna que o acometeu a partir de 2018, forçando-o a abrir mão de uma turnê mundial e dificultando sua locomoção até mesmo dentro de casa. O documentário mostra o périplo do artista entre hospitais e consultórios que não chegavam a um diagnóstico preciso e partiam logo para cirurgias e implantes de placas que, no entender dos familiares, muitas vezes foram até desnecessários e provocaram danos irreparáveis à saúde mental do músico.
Com gravações realizadas entre 2021 e a data de sua morte, acompanhamos o roqueiro lutando contra uma depressão severa, ao mesmo tempo em que vai de uma cirurgia a outra. Nesse processo, entramos ainda mais fundo em sua intimidade, conhecendo um pouco mais de sua insegurança surgida na infância — algo que o fazia hesitar ao aceitar um convite para se apresentar com o Black Sabbath em 2022, sobretudo devido à sua condição física.
Essa performance, ao lado do guitarrista do Sabbath, Tony Iommi foi o gatilho para que ele reunisse forças para um último espetáculo, no qual iria, apropriadamente, se despedir dos fãs. Essa apresentação acabou se concretizando em 5 de julho de 2025, na cidade natal do músico, Birmingham, na Inglaterra, 17 dias antes de sua morte. Coorganizado por Sharon, Back totheBeginning contou com a presença de muitos ícones do rock e foi transmitido para todo o mundo via YouTube.
Mas, entre essas duas performances, muita coisa aconteceu na vida dos Osbournes. É tocante ver, inclusive, na sequência cronológica de entrevistas, o quanto Ozzy vai definhando e Sharon vai ficando mais magra e abatida. No depoimento datado de 24 de abril de 2025, os fãs mais sensíveis irão chorar junto com o casal quando, a dois meses do Back totheBeginning, as dores sentidas pelo músico não cessam e a empresária, desesperada, diz que não sabe mais o que fazer.
A chegada do roqueiro ao Rock &Roll Hall ofFame, em outubro de 2024, ocupa boa parte da narrativa. Esse momento ilustra muita coisa: vai desde a dificuldade de deslocar o artista de Los Angeles até a cerimônia, em Cleveland, devido a coágulos no sangue, até a frustração por querer apresentar suas músicas no palco e o corpo fragilizado não permitir (três canções da carreira solo foram executadas por uma banda especialmente arregimentada para o evento).
Lançado pouco mais de dois meses após a partida do cantor, Ozzy: No Escape FromNow não se debruça em detalhes sobre o show de despedida nem sobre seus sua morte, resumida a imagens do cortejo fúnebre na citada Birmingham, em 30 de julho de 2025. Mesmo assim, é um ótimo registro que comprova que a saúde na velhice deve ser cuidada ainda na juventude — e que ninguém está imune aos excessos: nem eu, nem você, nem o Príncipe das Trevas.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de Outubro de 2025.