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Por dentro do Estúdio Abbey Road

publicado: 31/01/2023 00h00, última modificação: 01/02/2023 10h56
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Abbey Road Studios é a pauta do documentário ‘Se Estas Paredes Cantassem’ - Foto: Foto: Divulgação

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por André Cananéa*

Graças aos Beatles, a Abbey Road, no noroeste da cidade de Londres, tornou- se uma das avenidas mais populares do mundo. É lá, quase em frente à faixa de pedestres imortalizada na capa do LP justamente chamado Abbey Road, que fica um charmoso sobrado branco, com uma discreta placa acima da porta principal. Ele igualmente atrai turistas do mundo inteiro que, às centenas, deixam registrados em seus muros (pintados semanalmente, pelo que eu soube) seus nomes e o país de onde vieram. Estou falando do Abbey Road Studios.

É o lendário estúdio a pauta do documentário Se Estas Paredes Cantassem, disponível no serviço de streaming Disney+. Dirigido pela cineasta Mary McCartney, filha do casal Paul e Linda McCartney (ela morreu em abril de 1998, de câncer), o filme resume, em aproximadamente 90 minutos, os mais de 90 anos do famoso estúdio de música, anteriormente chamado EMI Studios, mas a partir do LP dos Beatles, foi rebatizado como Abbey Road Studios.

O enredo do filme é basicamente constituído por boas histórias, testemunhadas por músicos, produtores, técnicos e, claro, as paredes dos famosos três estúdios do complexo, contadas por alguns dos protagonistas dessas histórias, como Paul McCartney e Ringo Starr (Beatles), Roger Waters, David Gilmour e Nick Mason (Pink Floyd) e os irmãos Liam e Noel Gallagher (Oasis), entre outros.

Algumas das melhores passagens dizem respeito a celebridades como Elton John e Jimmy Page, que passaram pelo estúdio bem antes da fama, ainda como os chamados “músicos de estúdio”, ou seja, freelancers contratados para acompanhar a gravação artistas e conjuntos de renome.

No filme, Elton John lembra quando se chamava apenas Reg Dwight e gravava para grupos como The Hollies, mas foi quando trabalhava com The Barron Knights, em algum momento no segundo semestre de 1968, que a banda recebeu a visita de Paul McCartney. “Era a primeira vez que eu via alguém famoso”, confessa. “‘Hey Jude’ tinha acabado de sair e a banda pediu que Paul a tocasse ao piano. Eu e Bernie (Taupin, coautor de muitos sucessos de Elton John) nunca esquecemos isso”.

Aliás, álbuns inovadores dos Beatles, como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, foram gravados lá, e Paul McCartney, no filme, credita boa parte dessa inovação ao tempo ilimitado que a banda tinha no estúdio e os equipamentos que estavam à disposição dos rapazes de Liverpool (anos mais tarde, quando um grupo assumiu o estúdio e se livrou de parte do lendário maquinário, o ex-Beatle tratou de comprar alguns itens).

Em outra passagem curiosa, ficamos sabendo que Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, participou das gravações da música-tema do filme 007 Contra Goldfinger, como músico da orquestra que acompanhou a estonteante cantora Shirley Bassey, que surge em imagens de arquivo, relembrando as gravações, realizadas em meados dos anos 1963 e dando boas risadas com as lembranças daquela época.

Falando em trilha sonora, o célebre maestro e arranjador John Williams recorda algumas scores que gravou no estúdio 1, como os temas de Caçadores da Arca Perdida e Star Wars: O Retorno de Jedi (além dos filmes subsequentes da franquia). As descrições que ele faz para a qualidade do ambiente são sinfonia para os ouvidos de qualquer fã de música.

Aliás, embora boa parte do filme esteja concentrado nos Beatles – talvez pela associação do grupo com o lugar, talvez pela relação familiar da diretora com a banda – e com histórias ancoradas em grupos de música pop, há espaço para se lembrar de artistas eruditos, como a célebre violoncelista Jacqueline du Pré, e também mencionar, en passant, a equipe técnica que deu vida a tantos álbuns famosos.

Existe uma demanda reprimida por histórias sobre LPs, lojas de discos e estúdios de gravação. O vocalista da banda de rock Foo Fighters também é um apaixonado por estúdios e capitaneou a série Sonic Highways sobre a gravação do álbum homônimo, realizado em oito estúdios, em oito cidades diferentes dos EUA. Saiu em DVD. Procure.

No Brasil, o músico e pesquisador Charles Gavin conduz, junto ao Canal Brasil, a série O Som do Vinil, dedicado a dissecar, junto a seus atores e/ou especialistas, álbuns famosos da MPB. Já Minha Loja de Discos é uma produção internacional que mostra os principais estabelecimentos do ramo pelo mundo, e chegou a ser exibida no Canal Bis em 2014.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 31 de janeiro de 2023.