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Por dentro dos filmes

publicado: 14/02/2023 11h52, última modificação: 14/02/2023 11h53
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Cena de um episódio do ‘Conhecendo as Esculturas e Modelagens da Disney’ - Foto: Mitch Haaseth-Disney/Divulgação

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por André Cananéa

Algo que tem se mostrado bastante valioso na Disney+ são os documentários do catálogo da plataforma de streaming. Para além da aba National Geographic, com todos aqueles especiais sobre vulcões, naufrágio, animais e tesouros ancestrais, há um bom número de títulos voltados a documentar a própria Disney e os produtos que fizeram a fama tanto do parque de diversões, quanto do estúdio que há quase 100 anos dá vida a animações eternas, como Branca de Neve e os Sete Anões.

Tenho visto com o deslumbre de um arqueólogo de informações sobre cultura pop a “docusérie” Conhecendo as Esculturas e Modelagens da Disney. Trata-se de uma série com oito episódios, com cerca 30 minutos cada um, abordando oito filmes/animações produzidos pela empresa nos últimos 60 anos.

Seria apenas mais uma série sobre os bastidores de filmes se não fosse por um detalhe curioso: ela é conduzida por Dan Lanigan, um colecionador de peças de cenário e outros artefatos de cinema. E o roteiro de cada episódio se desenrola baseado no reencontro que ele promove entre peças icônicas dos filmes da Disney com os cineastas, atores e equipe que as criaram e as utilizaram em algumas memoráveis produções do estúdio. Isso, claro, dá um outro molho à cobertura dos bastidores.

A primeira temporada é formada por Mary Poppins (1964); Tron: Uma Odisseia Eletrônica (1982); O Estranho Mundo de Jack (1993); Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003); Querida, Encolhi as Crianças (1989); As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa (2005); Uma Cilada para Roger Rabbit (1988); e Muppets: O Filme (1979).
Nos episódios, Dan Lanigan viaja até residências, estúdios e ateliês em busca de artefatos, ou de pessoas que possam falar sobre eles. Isso inclui, por exemplo, idas frequentes a um imenso depósito secreto, onde a Disney guarda muitos adereços de filmes. E, em alguns casos, o anfitrião até dá uma força na restauração de algumas peças.

O foco está em encontrar as pessoas por trás dos nomes que aparecem nos créditos de cada filme, sobretudo, os profissionais da parte técnica. Em alguns casos, entretanto, Lanigan acaba encontrando gente para lá de especial, mas conhecida apenas por um pequeno círculo de interessados. É o caso do artista gráfico Drew Struzan, autor do célebre pôster de Muppets: O Filme, mas não só ele. Os famosos cartazes de De Volta Para o Futuro, Os Goonies e Blade Runner, o Caçador de Androides também trazem o traço do talentoso ilustrador estadunidense (além de inúmeras capas icônicas de discos de rock).

Pela série, fico sabendo que a catalogação de objetos de cena e figurinos é algo relativamente recente na indústria do cinema. Até pouco tempo atrás, era tradição que, ao encerrar as filmagens, qualquer pessoa que tenha atuado na produção poderia pegar o que quisesse dos sets, como uma lembrança pelo trabalho. Com o passar do tempo, esses souvenires passaram a valer uma fortuna em um circuito formado por colecionadores.

O mergulho revisionista é pautado pela emoção. Em Mary Poppins, por exemplo, Lanigan leva até a atriz Karen Dotrice (que faz a pequena Jane Banks no filme), o figurino que ela utilizou no filme de 1964, que ela não via há décadas, e ela mal consegue conter as lágrimas em meio a um papo descontraído.

Mas não é só a emoção que dá as cartas. A série mostra, de maneira geral, o esforço que a indústria de cinema empreendia no passado para, por exemplo, fazer atores reais contracenarem com desenhos animados, o que ocorre em Uma Cilada para Roger Rabbit. Lançado há quase 35 anos, o filme de Robert Zemeckis não contava com as facilidades da tecnologia de hoje, e a equipe teve que suar para inventar mecanismos que dessem credibilidade à essa interação entre humanos e toons (corruptela de cartoons, como são chamados os desenhos animados infantis, em inglês).

E nesse aspecto, é de cair o queixo o que a equipe de Tron fez no início dos anos 1980, em termo reutilização de objetos, design gráfico e efeitos especiais para criar um mundo digital de maneira completamente analógico, em um filme que anteviu, por exemplo, o metaverso, mas que até hoje ainda é um filme pouco conhecido do grande público (e ele está disponível no Disney+, hein?!).

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 14 de fevereiro de 2023.