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Precisamos (re)descobrir o paraibano Cassiano

publicado: 03/11/2020 11h01, última modificação: 03/11/2020 11h01
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‘Apresentamos nosso Cassiano’: artista de Campina Grande gravou pouco - Foto: Divulgação

tags: Cassiano , André Cananéa , Cultura , Opinião , música


Genival Cassiano dos Santos ainda usava calças curtas quando saiu de Campina Grande rumo ao Rio de Janeiro com a família, que migrou em busca de dias melhores. Na Cidade Maravilhosa, o pai, que era amigo de Jackson do Pandeiro, introduziu o filho na música, ensinando-o violão e bandolim. Das lições, nasceu um dos mais importantes - porém pouco conhecido - nomes da cena musical brasileira: Cassiano.

Cassiano é fundamental para a moderna música negra brasileira, aquela que nasceu na virada dos anos 1960 para 1970 e que tem em Tim Maia, seu maior expoente. Aliás, foi Cassiano quem lhe deu um calço para que o então futuro autor de ‘Azul da cor do mar’ alcançasse as estrelas.

Quando o “Síndico” voltou dos Estados Unidos com disposição para deslanchar uma carreira solo, deu de cara com o grupo vocal Os Diagonais e se deixou impressionar pelo balanço da rapaziada. De pronto, recrutou um de seus integrantes, Cassiano, para a gravação de seu primeiro LP, o homônimo Tim Maia. Além de acompanhar o vozeirão de Tim na guitarra, o paraibano ainda assinava duas faixas do disco de 1970: ‘Eu amo você’ e ‘Primavera (Vai chuva)’, ambas em parceria com Sílvio Rochael.

‘Primavera’ se tornou um dos grandes sucessos do disco e colocou Cassiano no radar. De Caçulinha (ele mesmo, do Faustão) a Criolo (em dueto com Ivete Sangalo), um sem número de grandes artistas gravou a música de Cassiano.

Prestigiado pela nata da MPB a partir de sua sonoridade refinada, Cassiano largou cedo a carreira na música. Reza a lenda que, no final dos anos 1970, ele teve que retirar um dos pulmões e, por isso, abandonou os palcos, com não mais que meia-dúzia de hits: além de ‘Primavera’, é marcante, também, ‘A lua e eu’, que lançou em 1975 e chegou a integrar a trilha sonora da novela O Grito, ganhando inúmeras regravações nas vozes de Nana Caymmi, Emílio Santiago, Claudio Zoli e Cidade Negra.

Até onde eu sei, Cassiano segue morando no Rio, prestes a completar 78 anos de idade (em janeiro agora). Mas vive esquecido, tanto pelo público, quanto pela indústria fonográfica. Enquanto escrevia este texto, pedi à Alexa que tocasse uma música de Cassiano. E a assistente virtual da Amazon tocou MC Cassiano, um funkeiro sem qualquer expressividade. Nem ela lembra  dele.

Se fosse artista norte-americano, muito provavelmente o filho de Campina Grande estaria sendo celebrado como um Sam Cooke ou Smokey Robinson. Como nasceu brasileiro, Cassiano, vive em completo anonimato. Eu mesmo já tentei uns cinco números diferentes, sem sucesso. Tornou-se mais difícil um contato com ele do que com Geraldo Vandré pré-2018.

Até aqui, Cassiano só lançou quatro discos solo (além de dois com Os Diagonais): Imagem e Som (1971), Apresentamos nosso Cassiano (1973), Cuban Soul (1976) e Cedo ou Tarde (1991), este repleto de fãs ilustres, como Marisa Monte, Djavan e Luiz Melodia. O músico também comparece em três coletâneas ao lado de Tim Maia e Hyldon. E só!

Imagem e Som, sua estreia solo, fará 50 anos em 2021. Cedo ou Tarde também fará aniversário no ano que vem: 30 anos. São duas boas efemérides para o Brasil resgatar o talento de Cassiano.

*coluna publicada originalmente na edição impressa de 03 de novembro de 2020.