por André Cananéa*
Na manhã da última sexta-feira (14), duas jovens, não mais que meninas, entraram na National Gallery, um espaço cultural muito bonito localizado na famosa Trafalgar Square, de Londres, onde estão algumas das obras de arte mais valiosas e importantes do mundo. As duas garotas circulavam pelas galerias, com casacos escuros e grossos, quando se detiveram em frente à tela Girassóis, uma das principais obras do pintor holandês Vincent van Gogh, datada de 1888.
Rapidamente, como em um filme de ação, elas deixaram cair seus sobretudos e sacaram latas vermelhas da sopa de tomate da marca Hellman’s, jogando todo seu conteúdo sobre a tela. Em seguida, enquanto alguém chamava a segurança da galeria, elas aplicaram algo nas mãos – que foi descrito como cola – e se fixaram na parede abaixo do quadro, enquanto questionavam se os visitantes estavam mais preocupados com uma obra de arte ou com a proteção do planeta. Tudo gravado e postado quase que instantaneamente no YouTube.
Ao cair o pano, as moças também mostraram que vestiam camisetas da Just Stop Oil, ONG ambientalista sediada na Inglaterra que luta contra a exploração de combustíveis fósseis e emissão de gases poluentes (e cujo logotipo muito lembra a capa do livro Graça Infinita, de David Foster Wallace).
Não foi a primeira vez que ambientalistas – inclusive a Just Stop Oil – utilizaram a arte para fazer barulho. Só na conta da ONG, estão creditados outros ataques a pinturas famosas, como A Carroça de Feno, de John Constable (na mesma National Gallery) e a uma réplica do quadro A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci (exposta na Royal Academy, também em Londres). Ambos ocorreram em julho deste ano.
Na Itália, também em julho, integrantes de outra ONG ambientalista colaram as próprias mãos ao vidro que protege a tela A Primavera, de Sandro Botticelli, símbolo da arte renascentista, em exposição na Gallerie degli Uffizi, em Florença. “Se o clima entrar em colapso, toda a civilização como a conhecemos entra em colapso. Não haverá mais turismo, nem museus, nem arte”, publicou a Ultima Generazione, responsável pelo ataque, no Twitter.
Talvez a ação que mais ganhou repercussão foi o ataque à Mona Lisa, de Da Vinci, exposta no Louvre, em Paris. Um homem, de peruca e em uma cadeira de rodas, jogou uma torta em direção à obra, mas esbarrou no poderoso vidro que cerca a tela. “Pensem na Terra, há pessoas que estão destruindo o planeta. Pensem no planeta, todos os artistas, pensem no planeta. Por isso fiz isso, pensem no planeta”, afirma o autor do ataque em um vídeo publicado na internet.
Vira e mexe, a Mona Lisa, coitada, sofre um atentado. Em 2009, teve um outro homem que jogou uma xícara de chá na pintura (e novamente o vidro que a protege evitou um dano maior). Em 1974, uma mulher usou um spray vermelho contra a obra de arte, durante a passagem da tela de Da Vinci por Tóquio. Na década de 1950, foram dois ataques, um deles, com ácido, danificou a parte inferior da tela. Isso sem falar que em 1911, quando ela chegou a ser roubada por um italiano.
Todas essas obras atacadas em 2022, incluindo a Sunflowers – no original – de Van Gogh, não sofreram danos, pois estavam protegidas. E ainda bem que estavam, afinal o processo de restauração de uma tela como Girassóis, avaliada em pouco mais R$ 500 milhões, consumiria litros e litros de petróleo, segundo soube de um especialista, o que seria um contrassenso da parte de uma ONG que combate o uso desse tipo de produto.
Muito provavelmente, os ataques são articulados para terem o mínimo de estrago possível. O objetivo, de fato, é chamar a atenção para a causa, afinal ataques a obras de arte importantes repercutem na imprensa de todo o mundo. Resta saber se sensibilizam governantes e a opinião pública. Afinal, o que mudou de julho até aqui, em termos ambientais?
O que mudou mesmo foi a vontade do governo do Reino Unido de endurecer as leis contra ativistas que causem distúrbios à população. Em um artigo no jornal Daily Mail, publicado sábado passado, a ministra do Interior do Reino Unido, Suella Braverman, acusou as ativistas de “bandidas e vândalas” que usam “táticas de guerrilhas”. No texto, ela também afirma que irá enviar ao Parlamento um projeto de lei que dá mais poderes aos policiais para barrarem protestos que causem distúrbio à comunidade local.
Leio na Folha de S.Paulo que Anna Holland, 20, e Phoebe Plummer, 21, as ativistas que atacaram a obra de Van Gogh, pagaram fiança horas depois do ataque e vão aguardar o julgamento, marcado para 13 de dezembro, em liberdade. No Instagram, um professor se manifestou sobre o caso afirmando que a Just Stop Oil é bem nutrida de recursos, pois conta com o aporte de empresas milionárias. Então pagar as fianças de seus manifestantes não há de ser problema.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 18 de outubro de 2022.