por André Cananéa*
Do nada, um disco lançado sem qualquer anunciou causou frisson entre os fãs de rock na semana passada. Anunciado como um “supergrupo”, o quinteto 3rd Secret tem na formação três integrantes de bandas lendárias da chamada cena grunge de Seattle, um celeiro de onde despontou a última grande cena de rock a atingir todos os hemisférios do planeta. O baixista Krist Novoselic (Nirvana), o guitarrista Kim Thayil (Soundgarden) e o baterista Matt Cameron (Pearl Jam) estão na linha de frente do projeto, cujo álbum de estreia, o homônimo 3rd Secret, já está disponível nas plataformas digitais.
O disco foi um dos mais modorrentos que eu ouvi nos últimos anos. Com duas garotas se revezando nos vocais (Jillian Raye e Jennifer Johnson), as canções enveredam por um indie-folk sem inspiração, preguiçoso, com pouco a acrescentar no gênero. Nem a guitarra de Thayil está à altura dos solos mais fracos que ele imprimiu nos álbuns do Soundgarden.
Essa coisa de “supergrupo” é um engodo da indústria para vender seus artistas. Não é de hoje que nomes celebrados se unem em projetos paralelos que, raramente, dão mais certo que suas carreiras principais. De cabeça, nessa área do rock, só consigo lembrar de uma única iniciativa, cujos discos (lançaram dois) renderam um repertório realmente brilhante a partir da reunião de músicos que, aí sim, merece o título de “supergrupo”: The Traveling Wilburys.
Lançado em 1988, o álbum The Traveling Wilburys - Vol. 1 reunia Bob Dylan, George Harrison, Tom Petty, Roy Orbison, Jeff Lynne e Jim Keltner, além do jovem Dhani Harrison (filho do ex-Beatle). Em uma edição “deluxe” que eu tenho em casa, o DVD que a acompanha mostra a metodologia de trabalho da turma, com todos esses astros eternos da música pop compondo e ensaiando juntos. Dá gosto vê-los trabalhar, mas, ainda mais, ouvir esse soberbo disco.
Mas não é algo que se repete em outros projetos, com raríssimas exceções (há divergência se o Cream seria uma banda propriamente dita, ou um projeto reunindo Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce; eu considero uma banda, com carreira própria). O citado grunge forneceu alguns, todos medianos (Audioslave, Them Crooked Vultures, Velvet Revolver, Temple of the Dog), e Mick Jagger entrou num projeto-de-um-disco-só ao lado de Joss Stone, Dave Stewart (Eurythmics), Damian Marley e indiano A.R. Rahman, o Superheavy (2011), que não vai além do “disco bonzinho”. Até o Brasil é lembrado através do Little Joy, grupo multinacional de um disco só com Rodrigo Amarante (Los Hermanos) e Fabrizio Moretti (Strokes) na formação.
Meu conceito de supergrupo é outro… é a união, por exemplo, de Miles Davis, John Coltrane, Cannonball Adderley, Paul Chambers, Jimmy Cobb e Bill Evans para gravarem Kind of Blue. Essa reunião, além de produzir um repertório inspiradíssimo, executado com maestria, fez história, quebrou paradigmas, apontou novas direções. Esta, para mim, é a finalidade de um “supergrupo”, que deve ser formado por artistas de talento ilibado e força criativa acima do normal.
Aliás, o jazz está repleto de supergrupos. Além de Miles Davis catalisar, em muitos de seus discos, essas super reuniões, lembro também do V.S.O.P., cujo time - atente para a escalação: Herbie Hancock, Freddie Hubbard, Tony Williams, Ron Carter e Wayne Shorter - lançou quatro discaços entre 1976 e 1981, com alguma eventual mudança de jogador. Até no raiar da Bossa Nova há o registro de um supergrupo: Canção do Amor Demais, de Elizete Cardoso, traz um raro encontro, em disco, entre o violão de João Gilberto e o piano de Tom Jobim (sem contar as músicas de Tom e Vinícius, que compõem todo o repertório).
É por isso que eu tenho na conta que supergrupo, mesmo, são os Beatles, Rolling Stones e Led Zeppelin, para ficar em apenas três. Não a união de coadjuvantes da terceira divisão, carimbados de "supergrupo" por alguém que achou: bom, se os caras do Nirvana, Soundgarden e Pearl Jam se uniram, isso é um supergrupo. Não, não é. Afinal, não é assim que a banda toca.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de abril de 2022.