por André Cananéa*
O que o Brasil viu e comentou, do fim de semana para cá, parece aqueles raros fenômenos interplanetários que só ocorrem de milênios em milênios. Em eventos tão distintos quanto um festival de música pop em São Paulo e a maior festa do cinema, em Los Angeles, dois tapas na cara se sobressaíram às histórias de arte, criatividade e superação, nas mais diversas modalidades, fosse música, cinema, moda, atitude etc.
O mundo amanheceu a segunda-feira tentando entender a bofetada que o ator Will Smith deu no colega Chris Rock durante a cerimônia de premiação do Oscar 2022. Foi autêntico? Foi armação? Smith ainda estava no personagem do filme King Richard: Criando Campeãs, que lhe valeu o prêmio de Ator Principal naquela noite?
Pelo misto de discurso e pedido de desculpas ao ter seu nome anunciado como vencedor da estatueta, foi real. Em um ato aparentemente intempestivo, Smith não gostou da piada que Rock fez a respeito do cabelo raspado de sua esposa, a também atriz Jada Smith, que sofre de uma doença conhecida como alopecia. Especula-se que o comediante, que é daqueles que perde o amigo, mas não perde a piada, sabia dessa condição, mas foi em frente.
“Richard Williams era um defensor feroz de sua família”, disse Will Smith em seu discurso, já com a estatueta na mão, relembrando o papel que lhe trouxe o prêmio. “Eu quero ser um embaixador do amor e do cuidado (...) O amor vai te fazer cometer loucuras”, acrescentou.
Li no G1 que Chris Rock não prestou queixas contra o colega e que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas emitiu uma nota rechaçando a violência contra o apresentador.
E o que está em curso é a liberdade de expressão… até onde vai a graça e começa a desgraça? Particularmente, eu condeno esse tipo de brincadeira, essa troça com a dor alheia que só quem sabe é quem passa, ou tem alguém perto passando. Esse tipo de piada é, psicologicamente, intolerante. Socialmente abominável. Chris Rock errou. Ponto.
Mas aí teve outro tipo de liberdade de expressão, que foi tolhida no fim de semana. Caminhava o Lollapalooza quando surgiu a notícia que o PL (partido do presidente Jair Bolsonaro) entrou com uma ação para coibir que os artistas arrolados na programação do festival de música se manifestassem politicamente… no Brasil… politizado… de 2022... ano de eleição… apenas!
Tudo isso após a cantora Pabllo Vitar ter recebido das mãos de um fã uma bandeira com uma imagem do pré-candidato Lula e erguê-la no festival. Foi a senha para que o PL ingressasse com uma ação junto ao TSE e o ministro Raul Araújo concedesse a advertência que, caso algum artista se manifestasse, o festival arcaria com uma multa de R$ 50 mil.
A decisão de Araújo foi bastante criticada, afinal o argumento de que Pabllo Vittar teria feito propaganda eleitoral a favor de Lula cai por terra, uma vez que a legislação exige que se peça explicitamente voto para um candidato, o que não houve (até porque não há, oficialmente, nenhuma candidatura formalizada), encerrando os olhos para algo tão precioso ao nosso país à luz da Constituição Federal: a liberdade de expressão.
Assim, a atitude do ministro do TSE pareceu um tanto arbitrária e ditatorial, sobretudo porque saiu no dia em que o próprio Jair Bolsonaro “participou de evento partidário em clima de comício antecipado neste domingo (27), apesar das orientações da equipe jurídica diante dos riscos de se enquadrar em crime eleitoral”, como vi na Folha de S.Paulo.
E, estupefato, ainda leio, nos principais veículos de notícias do país, que o ministro do TSE, na semana passada, rejeitou pedido do PT para que retirasse outdoors com mensagens de apoio a Bolsonaro espalhados pelo país.
Obviamente, em um país ainda escaldado pela repressão militar dos anos 1960, proibir não é algo que cole no ambiente democrático de 2022, e o resultado dessa vendeta política foi a rebeldia da arte, dentro e fora dos palcos. Annita e Felipe Neto entraram na briga se comprometendo a bancar a multa de quem desobedece a corte eleitoral. Caetano, Bethânia, entre centenas de outros artistas, assim como políticos como Ciro Gomes, também protestaram em suas redes sociais.
Felizmente, não houve grandes embates políticos no domingo, apesar das “desobediências”, e no fim, o que se comentou, e muito, ontem, no circuito político nacional é que, mais uma vez, fora orquestrada uma “cortina de fumaça” para tentar mascarar um debate realmente fundamental para o Brasil: o escândalo do Ministério da Educação o que, como já sabemos agora, deu no que deu.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 29 de março de 2022.