Notícias

Artigo

Theo de Barros, Quarteto Novo e Geraldo Vandré

publicado: 21/03/2023 00h00, última modificação: 21/03/2023 10h01
Theo de Barros - Foto Bruno Conrado - Divulgação 2.png

Carioca Theo de Barros, coautor de ‘Disparada’, morreu no último dia 15. Foto: Bruno Conrado/Divulgação.

tags: André Cananéa , Theo Barros , Quarteto Novo , Geraldo Vandré

A música brasileira ficou mais pobre na semana passada, mas pouquíssima gente – e repito, pouquíssima gente mesmo – sabe disso. Na madrugada da última quarta-feira (15), morria o compositor, violonista, arranjador e cantor carioca Theo de Barros, nome artístico de Theofilo Augusto de Barros Neto, cinco dias após completar 80 anos de idade. A causa da morte não foi revelada, mas só por ter participado do incrível Quarteto Novo, já teria seu nome escrito nos anais da música popular brasileira. Mas ele foi mais além, muito mais além – e ainda menos gente sabe disso.

Os obituários que foram lançados nos portais e jornais do país foram tímidos, frios e impessoais ao abordar a carreira de Theo de Barros. Ok, ele não era de discos – lançou apenas seis discos solos em mais de 60 anos de carreira, o primeiro em 1980 e o segundo, 17 anos depois – o mais recente data do ano passado, Notas Brasileiras.

A relação de Theo de Barros com a Paraíba, artisticamente falando, é estreita. Corria 1966 quando a marcha-rancho ‘Porta-estandarte’, do paraibano Geraldo Vandré e do baiano Fernando Lona, venceu o Festival Nacional de Música Popular da TV Excelsior (SP) com a interpretação de Tuca e Airto Moreira (que integrava o Sambalanço Trio).

De acordo com o biógrafo Jorge Fernando dos Santos em Vandré: O Homem que Disse Não, isso deu ânimo para o paraibano sair em turnê aqui pelo Nordeste acompanhado por uma banda dos sonhos: o próprio Airto Moreira na bateria; Théo de Barros no violão e Heraldo Monte na guitarra. Este era o Trio Novo.

É bom lembrar que, naquele ano (1966), Vandré estava envolvido na composição da trilha sonora do filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga (de Roberto Santos) e, através de pesquisas que realizou para encontrar a sonoridade que marcaria o longa-metragem, foi se especializando no universo da viola caipira, que alcança na musicografia de Vandré o ponto alto com ‘Disparada’, dele e Theo de Barros, vencedora de outro Festival de Música Popular Brasileira daquele ano, este na Record (um foi em junho e o outro, em setembro), na voz de Jair Rodrigues.

Com um arranjo moderno, que levava a moda de viola a outro patamar, ‘Disparada’ é um marco na carreira de Theo de Barros (e, claro, de Vandré também), que em 1967 entraria em estúdio para mostrar sua grande habilidade ao violão no único disco do Quarteto Novo. Em tempo: embora seja uma das músicas mais importantes da carreira do cantor e compositor paraibano, gravada por Elba Ramalho, Sérgio Reis, Zizi Possi e até o rapper Rappin’ Hood, Geraldo Vandré só a lançou ‘Disparada’ em compacto, pela RCA, em 1966.

No documentário O Que Sou Nunca Escondi, de 2009, a ex-mulher de Vandré, Nilce Tranjan, afirma: “Não haveria Quarteto novo sem o Geraldo”, detalhando que o coautor de ‘Disparada’ (e, a partir de 1968, de ‘Caminhando’) chegava a trancar o Quarteto Novo – que era o Trio Novo mais o então flautista Hermeto Pascoal – no porão da casa de um amigo, para que “eles pudessem ensaiar sem distrações” (em 2014, Heraldo Monte rechaçou a informação, garantindo que os ensaios não eram tão rigorosos assim).

Fato é que cinco das sete músicas do LP Quarteto Novo, apontado como um marco da música instrumental brasileira, levam a assinatura de Geraldo Vandré, incluindo duas das três parcerias conhecidas do paraibano com Hermeto Pascoal (‘O ovo’, que se tornaria presença constante nas apresentações do Bruxo alagoano, e ‘Canto geral’ – a terceira é ‘De serra, de terra e de mar’, dos dois e Theo de Barros, lançada no LP Canto Geral, que sairia em 1968).

Completam o repertório de caprichadas versões instrumentais ‘Fica mal com Deus’, Canta Maria’ (ambas de Vandré), ‘Misturada’ (Vandré e Airto Moreira), ‘Algodão’ (Luiz Gonzaga e Zé Dantas) e ‘Vim de Sant’Ana’, de Theo de Barros, que nessa faixa, a que fecha o LP, exibe toda a versatilidade de grande violonista que foi.

Vandré, como é conhecido, vive longe dos holofotes e, mais ainda, das redes sociais. Não se ouviu qualquer pronunciamento dele a respeito da partida do parceiro. Já Hermeto, de pronto, gravou um vídeo e divulgou na Internet, lamentando a partida do colega de Quarteto Novo: “A vida é assim mesmo, a gente está de passagem, e chega a hora de todo o homem. Chegou a hora de – para mim – um dos maiores músicos do planeta Terra, Theo (de) Barros, meu irmãozão. Vai lá e complementa o som com a turma toda que tá lá. E até breve... Deus meu deu só mais 50 anos aqui na Terra, mas logo, logo nós tamos juntos! Um beijo bem lindo pra você”.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 21 de março de 2023.