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Um mergulho no 1º LP do Jaguaribe Carne (que terá nova tiragem)

publicado: 17/06/2025 08h26, última modificação: 17/06/2025 08h26
Jaguaribe Carne Instrumental.jpg

Uma das capas únicas do disco de 1993 | Foto: Reprodução

por André Cananéa*

Jaguaribe Carne Instrumental, pedra de toque da discografia paraibana, álbum mítico lançado originalmente em LP em 1993 pelo duo Jaguaribe Carne, ou seja, Pedro Osmar e Paulo Ró, vai ganhar uma nova tiragem em vinil. Quem me revelou a boa nova foi Sérgio Pacheco, da Taioba Discos, loja e selo fonográfico que tem feito história aqui em João Pessoa.

A nova prensagem deverá sair em meados do segundo semestre, com a mesma peculiaridade da tiragem original: as capas dos LPs serão objetos únicos, cada qual com uma obra assinada por um artista. Na prensagem original, cerca de 40 pessoas confeccionaram as capas dos mil LPs que foram lançados.

E não eram só artistas, como me falou Paulo Ró quando gravamos um dos primeiros episódios do História do Disco, programa da rádio Parahyba 103,9 FM dedicado a dissecar os álbuns lançados aqui no estado, a partir dos próprios autores. No caso do Jaguaribe Carne Instrumental, além de artistas do naipe de Unhandeijara Lisboa, W.J. Solha, Chico Ferreira, Alberto Júnior, Diógenes Chaves, Marcos Pinto e até Paulo Bruscky, também há desenhos e pinturas feitas pela jornalista Joana Belarmino e até por crianças.

“Não era só para ser artista plástico. A ideia era democratizar o máximo possível para o maior número de pessoas. Quanto mais pessoas pudessem fazer o trabalho, melhor, né?”, comentou Paulo Ró no programa, ao passo que Pedro Osmar acrescentou: “Tinha gente de Campina [Grande], Recife, Natal, aqui de João Pessoa…”.

O engajamento se deu pela participação do Jaguaribe Carne — que, mais do que um grupo de música de vanguarda, sempre foi uma espécie de coletivo de múltiplas artes — no circuito da Arte Postal, em voga ali pelos anos de 1980 e 1990. “A gente conhecia muita gente que trabalhava com isso. Aí era só mandar o recado para os camaradas...”, recordou Paulo.

Ou seja, quem tem em mãos o LP lançado originalmente pelo selo Musiclube, não tem apenas um item de colecionador de discos em casa, mas uma obra de arte original e única, que não é reprodução, mas a própria obra em si — e que não sai por menos de R$ 700 nas plataformas de vendas on-line, tanto dentro como fora do Brasil.

A ideia de Sérgio Pacheco, alinhada com Paulo Ró e Pedro Osmar, é repetir essa façanha pela primeira vez depois de mais de 30 anos – afinal, nem a tiragem em CD do álbum, editada em 2017 junto com o livro Jaguaribe Carne - Experimentalismo na Musica Paraiba, do baterista e pesquisador George Glauber, empreendeu uma aventura dessas.

O Jaguaribe Carne surgiu em 1974 como Grupo Jaguaribe Carne de Estudos, título criado pelos irmãos para, segundo Pedro, se diferenciar do tipo de música que outros artistas faziam. “Eu achava que (o Jaguaribe Carne) tinha que ter uma diferença na música, no nome e na postura”, explicou Pedro Osmar no mesmo programa.

Assim, ao invés de bares, o Jaguaribe Carne tocava em associações de bairro, escolas e até igrejas, em uma espécie de guerrilha cultural que dava às costas ao sucesso.

Com seis faixas de cada lado — cada qual creditada ou a Pedro, ou a Paulo —, Jaguaribe Carne Instrumental saiu quase 20 anos depois de os irmãos subirem ao palco pela primeira vez com o nome Jaguaribe Carne. A pré-história discográfica do grupo, conforme Paulo Ró revelou, atende pelo nome de “Fitas Alternativas”. A ideia acompanha a proposta de guerrilha dos shows: eram fitas cassete com as gravações de ensaios e shows que o duo fazia.

Registradas em um gravador que Pedro Osmar trouxe de sua temporada no Rio de Janeiro, onde chegou a integrar a “Pau-de-Arara’s Band” — como ele chama o grupo que acompanhou Zé Ramalho nos primeiros anos de sucesso —, parte dessas fitas se perdeu, entre elas o show Espadas, realizado no Teatro Santa Roza, a primeira e histórica apresentação pública do Jaguaribe Carne.

Mas outros registros importantes estão no computador de Paulo Ró, digitalizados por ele mesmo a partir das fitas originais. É o caso do “Re-percussão”, um ensaio em que a dupla toca apenas percussão com instrumentos improvisados de lata, e o show Chamada dos Corpos Sangrados, que tem participação de um jovem Chico César.

A reedição de Jaguaribe Carne Instrumental vem em muito boa hora, mantendo acesa a memória de um grupo fundamental para a música da Paraíba, não só pela sua inventividade sonora, mas por tudo que está contido em cada uma das 12 faixas do LP, incluindo a curiosa “Entrevista”, única faixa creditada em conjunto a Pedro e Paulo (e, ainda, a amigos), e que nada mais é do que um bate-papo sobre as ideias por trás da música do Jaguaribe Carne.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de junho de 2025.