Na virada do ano, acabei revendo uma animação que há décadas não assistia: Fievel, Um Conto Americano. Lançada nos cinemas em 1986, a jornada do pequeno ratinho russo que se separa da família durante uma viagem aos EUA, que, acreditavam os roedores estrangeiros, era uma terra livre de gatos, tem na direção Don Bluth, que havia feito Meu Amigo, o Dragão e A Ratinha Valente antes que Steven Spielberg o convidasse para dirigir essa cativante fábula sobre como a união faz a força quando se há um forte objetivo em comum: viver em uma sociedade sem predadores malvados.
Apresentei a animação, que vi aos 11 anos de idade, ao meu filho, Gael, que tem 12. Ele gostou e fez um comentário: “Pai, os estúdios já gostam de fazer desenho animado com ratos, né?!” E não é que é mesmo! Ouso dizer que o rato é o grande rei dos animais animados. Rivaliza, certamente, com os cães, imbatíveis no live action e com muitos títulos em animação (e nem vou levar nessa conta franquias como Scooby-Doo e Snoopy, por exemplos).
Não consigo precisar quantas animações estreladas por ratos foram feitas até hoje. A Disney, seguramente, é a que mais deu vida a bichos de todas as espécies: elefantes (Dumbo), cervos (Bambi), aves (quem não se lembra de Pato Donald e Zé Carioca em Você Já Foi à Bahia?, sem falar em O Galinho Chicken Little), cães (A Dama e o Vagabundo, 101 Dálmatas, O Cão e A Raposa, Bolt: Supercão), gatos (Aristogatas, Oliver e Sua Turma), leões (O Rei Leão), raposas (Robin Hood), coelhos (Zootopia) e até um simpático alienígena com jeito de cachorro (Lilo & Stitch), além, claro, dos ratos, começando pelo Mickey (leia mais abaixo), seguido por Bernardo e Bianca e As Peripécias do Ratinho Detetive.
Nos últimos 40 anos, de Um Ratinho Encrenqueiro e do citado A Ratinha Valente à produção francesa O Corajoso Ratinho Despereaux, o cinema seguiu investindo nos roedores, nos mais diversos tipos de animação, da computadorizada em O Pequeno Stuart Little até os desenhos feitos em 3D, que deram origem a obras como Por Água Abaixo e o aclamado Ratatouille, da Pixar. O próprio Fievel rendeu outras três sequências: Fievel vai para o Oeste, O Tesouro de Nova Iorque e O Mistério do Monstro da Noite. Ou seja, as empresas gostam mesmo de ratos, como apontou Gael.
É provável que a Disney tenha uma certa culpa nesse cartório. Afinal, o conglomerado de entretenimento escolheu justamente um rato para dar rosto ao seu mundo de animação e parques, o rato Mickey, que em 1928 estreava uma animação revolucionária, O Vapor Willie.
Você pode assistir ao curta no YouTube, por exemplo, e qualquer pessoa pode dispor desse filme de pouco mais de sete minutos em seu canal, seja ele o próprio YouTube, Instagram ou Tiktok, sem o perigo da plataforma “derrubar” seu post, afinal o filme começou 2024 em domínio público, já que este ano completa 95 anos.
Especialistas na área de direitos autorais têm alertado que, contudo, é essa versão do Mickey – a primeira do personagem – que entrou em domínio público. O Mickey “moderno”, apresentado em 1940 através do hoje clássico Fantasia, com sua roupa vermelha, luvas e rosto levemente diferente do antepassado de 1928, segue com o copyright em dia.
Para deixar claro, um porta-voz da Disney afirmou que “versões mais modernas do Mickey não serão afetadas pela expiração dos direitos autorais de Steamboat Willie (o nome original, em inglês), e Mickey continuará a desempenhar um papel de liderança como embaixador global da Walt Disney Company em nossa narrativa, atrações de parques temáticos e mercadorias”.
Retirar os direitos autorais de obra e/ou personagem significa dar a qualquer um a chance de retrabalhar esse material sem que seja necessário a permissão formal ou pagamentos de royalties pelo uso. Por isso, foi só 2024 começar que empresas de audiovisual e games começaram a divulgar suas produções estreladas pelo famoso rato, e o público tomou um susto com filmes de terror e até um jogo do gênero com um rato completamente detonado.
O jogo segue uma tendência de utilizar personagens do universo infantojuvenil (vide Ursinho Pooh) num contexto de sangue, medo e tensão. Produzido pela Nightmare Forge Games, Infestation 88 é o que chamam de jogo cooperativo de terror de sobrevivência, e é o primeiro game estrelado pelo Mickey de uma maneira oficial.
Da mesma forma, Mickey’s Mouse Trap (algo como “armadilha para Mickey Mouse”, em tradução livre) é um filme de terror canadense com elenco desconhecido, previsto para chegar aos cinemas este ano. Nele, um assassino se veste como o astro de O Vapor Willie para caçar jovens em um parque de diversões durante uma festa de aniversário. Cenas do curta de 1928 recheiam a trama.
A ver o que vem mais por aí…
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 09 de janeiro 2024.