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Um olhar sobre Sergio Corbucci

publicado: 19/09/2023 11h35, última modificação: 19/09/2023 11h35
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Documentário ‘Django & Django’ aborda o legado dos faroestes de Corbucci - Foto: Reprodução

tags: Sergio Corbucci , Documentário , Netflix

por André Cananéa*

Quando Quentin Tarantino esteve no Brasil para divulgar o lançamento do faroeste Os Oito Odiados, em novembro de 2015, se submeteu a uma maratona de entrevistas. Lembro demais dessa passagem, afinal acompanhei alguns desses papos, muitos deles com jovens representando portais de cinema e entretenimento. A esmagadora maioria, claro, não passava de fãs tentando conter a excitação de estar diante de um grande cineasta da nossa geração, e certas entrevistas acabaram resvalando em bobagens, do tipo quem seriam os atores brasileiros que Tarantino escalaria para um filme.

Porém, um desses papos valeu o ingresso. Publicada no YouTube em 5 de janeiro de 2016, a dois dias da estreia do filme no Brasil, a entrevista que a veterana jornalista Isabela Boscov fez com Tarantino e com o ator Tim Roth (escalado pelo cineasta para acompanhá-lo na vinda ao Brasil) acabou se tornando um ponto fora da curva, afinal, ali, o diretor de Pulp Fiction, Bastardos Inglórios e Kill Bill encontrou, enfim, uma interlocutora a altura de seu arcabouço enciclopédico sobre cinema, em especial sobre faroestes – basta ver o quanto os olhos dele brilham durante a conversa com a brasileira.

Por isso, não é à toa que Quentin Tarantino esteja no documentário Django & Django (2021), disponível no Netflix. Nele, Tarantino e o cineasta italiano Ruggero Deodato, que trabalhou como diretor assistente em uma série de clássicos do cinema italiano, abordam o legado dos faroestes produzidos por Sergio Corbucci (1926-1990).

Ao lado do xará Sergio Leone (1929-1989), de quem foi amigo e colega, Corbucci ajudou a escrever a cartilha do chamado “faroeste spaghetti”, estética impressa em filmes como Django (1966), O Vingador Silencioso (1968) e Minnesota Clay (1964), por exemplo.

Tarantino não esconde que é um grande fã de Corbucci, e quem conhece bem a filmografia do diretor norte-americano, reconhece as diversas homenagens que ele presta ao diretor italiano – vide o ambiente da neve de Os Oito Odiados, certamente referenciado em O Vingador Silencioso, assim como Django Livre é, de certa forma, tão influenciado pelo clássico spaguetti Django que o astro deste, Franco Nero, faz uma participação no filme de 2012.

Então são as reflexões do americano sobre a obra do italiano o grande atrativo de Django & Django, uma vez que Tarantino se mostra um grande especialista na filmografia de Sergio Corbucci, ponderando, inclusive os aspectos políticos do “bang-bang” do cineasta italiano, ao lembrar que, quando criança, Corbucci chegou a integrar um coral infantil fascista e até participou de uma apresentação a Adolf Hitler quando este esteve na Itália em visita a Benito Mussolini – encontro que o jovem Sergio viria expurgar mais tarde, em seus filmes.

Tarantino, mais que Deodato, detalha a busca de Sergio Corbucci pela sua própria voz artística, incluindo aí as abordagens sobre os heróis (nem sempre heróis) e vilões (nem sempre tão vilões assim) que recheiam as tramas do diretor italiano, e na comparação com Sergio Leoni, Tarantino ressalta a ultraviolência precoce – e porque não dizer, influente (na própria obra de Tarantino, inclusive) – das produções corbuccianas.

E é particularmente curioso como o documentário relaciona as tramas dos filmes de Corbucci às das histórias em quadrinhos, ao que Tarantino reforça, exemplificando que muitos protagonistas dos filmes são mostrados como “super-heróis”, mas cuja redenção acontece quando esses “poderes” se exaurem, vide o personagem de Telly Savalas em Sonny & Jed (1972) e o final épico de Django, em que o personagem-título, um pistoleiro rápido no gatilho, enfrenta os vilões com as mãos prejudicadas.

“O que Corbucci fez nos filmes dele, que era diferente de qualquer outro diretor de faroeste, foi dar aos heróis um brio de histórias em quadrinhos no que tange à intrepidez deles. Eles eram mais rápidos do que o possível na vida real, tinham algo que dava a eles qualidades quase de super-heróis. No entanto (...) ele (Corbucci) tira os superpoderes deles. Então, ele os faz enfrentar o vilão, e somente ao enfrentar o vilão, sem os ‘superpoderes’, é que eles podem se dizer heróis”, opina Tarantino.

O documentário é relativamente curto (menos de 80 minutos de duração) e funciona muito bem como porta de entrada para o universo do “faroeste spaghetti” através de um diretor cultuado por poucos e bons cinéfilos, que reconhecem na filmografia de Sergio Corbucci, excelentes tramas de ação com algo mais a dizer. Confira!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de setembro de 2023.