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Um rio chamado Gonzaga Rodrigues

publicado: 27/06/2023 00h00, última modificação: 28/06/2023 10h35
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Jornalista e cronista Gonzaga Rodrigues visitando suas origens alagoa-novenses - Foto: Antonio David/Divulgação

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por André Cananéa*

Gonzaga Rodrigues é um rio, um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar, como canta Paulinho da Viola. É um rio com diversos afluentes, banhando tempo e espaço em um multiverso digno do atual cinema de fantasia: seus afluentes passeiam pelo passado, vislumbrando o futuro; desembocam na crônica social; tem a exata noção de que a imprensa, mesmo em 2023 e combalida por rajadas de fake news, ainda possui um papel importante ao dar norte às vicissitudes da sociedade e filtrar a água turva da política, levando ao leitor/ouvinte/telespectador, a água limpa da apuração jornalística em prol de um mundo melhor.

Há afluentes do Rio Gonzaga Rodrigues que são pura generosidade, afabilidade, disposição e entrega. Há outro de uma lucidez invejável, de um raciocínio crítico afiado que nove décadas não macularam. Assim como aqueles afluentes que também não se deixaram sucumbir à degradação provocada pelo homem, justamente aquele homem (e mulher, criança, idoso, idosa etc.) que não tem consciência ambiental.

A metáfora do Rio Gonzaga Rodrigues me veio quando eu editava a nova edição do Correio das Artes, lançada no domingo passado (dia 25), cuja capa é justamente os 90 anos de Luiz Gonzaga Rodrigues e sua atuação como jornalista, escritor e cronista, mas também um cidadão consciente da necessidade de preservação do meio ambiente, assim como um defensor intransigente da manutenção da nossa memória artística, cultural, histórica, seja ela material ou imaterial, além de um ferrenho crítico das injustiças sociais.

Na reportagem sempre muito apurada e de fôlego da jornalista Alexsandra Tavares, o Correio das Artes revisita, mais uma vez, as origens do alagoa-novense que abraçou a cidade de João Pessoa e foi afetivamente abraçado por ela a partir de 1951, quando se mudou para a capital paraibana.

Com auxílio luxuoso de amigos, leitores, cronistas e confrades da Academia Paraibana de Letras, Alexsandra Tavares, na ótima companhia do fotógrafo Marcos Russo, esculpe um retrato do “Mestre da Crônica” amplo, mostrando as origens do autor de Com os olhos no chão (lançado no último dia 19, durante o Pôr do Sol Literário, na Academia Paraibana de Letras), como se dá sua paixão pelas letras e sua personalidade extremamente cativante.

Alexsandra também assina uma entrevista que muitos leitores têm considerada histórica. Realizada em maio nos jardins da Casa de Coriolano de Medeiros, Gonzaga relembra suas origens, medita sobre a chegada aos 90 anos e a respeito do Brasil que encontra no ano desse seu aniversário, além de fazer uma revelação que para mim, e outros jornalistas e escritores da minha geração, causaram surpresa, como o desejo do maior cronista de todos os tempos da Paraíba ter o sonho – até hoje nunca realizado – de ser romancista, de escrever romances “vinculados aos problemas do negro, da fome, da desigualdade”.

E ainda tem um belíssimo ensaio assinado por dois amigos muito próximos ao aniversariante: o jornalista José Nunes e o fotógrafo Antonio David.

Estive no dia 19, na Academia Paraibana de Letras, prestigiando o lançamento de Com os olhos no chão, devidamente registrado por uma equipe comandada pelo querido amigo Alberto Arcela, que produz um documentário sobre os 90 anos de Gonzaga. O livro é uma seleção do que cronista já havia publicado, e por isso mesmo, é uma espécie de crème de la crème dos mais de mil textos que ele tem guardado, como revelou à Alexsandra Tavares. Se fosse um LP, poderia ser um “grandes sucessos” do artista.

Mas o fundamental mesmo é dizer que os textos de Gonzaga Rodrigues são construídos de maneira lapidar, palavra por palavra. Ele é uma espécie de artesão nessa arte da escrita e, esse cuidado, esse zelo com o texto que assina, é a grande lição que ele nos dá, a todos nós que gostamos de ler e, principalmente, de escrever. Toda vez que estou revisando os textos que escrevo, e troco uma palavra por outra, de maior impacto, nesse exercício lapidar que aprendi com o mestre.

Portanto, muito obrigado, Gonzaga. Mestre Gonzaga.

*Coluna originalmente publicada na edição impressa de 27 de junho de 2023.